Na manhã do dia 30 de novembro, chegou-nos a notícia da morte de João Semedo Tavares, ou Johnson, como era mais facilmente conhecido pelos que o estimavam. O desaparecimento prematuro do Johnson, aos 50 anos, deixou desconcertados todos os que o conheciam pessoalmente ou se davam conta do trabalho que levava a cabo na Cova da Moura e em tantos outros sítios.
Muito temos a agradecer ao miúdo que consumiu drogas, roubou e esteve 10 anos na cadeia, onde passou por um processo em que alterou o seu pensamento, converteu o seu foco e alimentou um sonho que mais tarde se tornou realidade: impedir que as crianças do seu bairro passassem pelo mesmo que ele. Pode não ser ideal que um ex-recluso volte para o mesmo local onde habitava antes de ser preso. Porém, o Johnson, com toda a coragem, voltou à Cova da Moura, onde realizou o seu sonho de proporcionar uma vida diferente às crianças daquele local através do desporto e do empenho escolar.
A primeira vez que ouvi o Johnson dar uma palestra sobre o seu testemunho foi em 2014, num congresso promovido pela Fundação O Que de Verdade Importa, no qual o colégio que frequentava à data participou. Sem diminuir o exemplo dos restantes oradores que nesse evento participaram, foi unânime, para mim e para todos os meus colegas, que a história do Johnson foi a que mais marcou o painel. No final do seu testemunho, recordo a arena do Campo Pequeno de pé, com um aplauso ensurdecedor.
Mais tarde, em Abril de 2020, em pleno rebentar do primeiro confinamento, soube que o Johnson estava a recolher refeições quentes, exemplarmente doadas pelo Grupo Pestana, e a distribuí-las por famílias carenciadas em Lisboa, que tinham mais dificuldade em obter os apoios básicos com que habitualmente contavam antes da diminuição do contacto social. O Johnson era assim: tinha de ajudar, tinha de melhorar, independentemente do contexto. E conseguia!
Não posso dizer que era (sequer) amigo do Johnson. Se tivesse o prazer de o encontrar mais alguma vez neste mundo, certamente não me reconheceria. Privei com ele apenas duas vezes, sendo que numa delas o Johnson estava a comer um ovo cozido enquanto o carregava de sal fino a cada dentada. Ao brincar com ele, dizendo que aquilo lhe faria mal à saúde, respondeu-me com humor: “Se não morrer da doença, morro da cura”. É pena constatar que de facto o Johnson morreu, mas reconforta-nos a todos que o seu testemunho deixará um rasto indelével na vida de muitos, que será perpetuado através do notável trabalho da Academia do Johnson.
Pode parecer que o Johnson mudava apenas a vida de jovens mais carenciados, mas fê-lo também com privilegiados. Sou exemplo disso. Vivendo em circunstâncias completamente diferentes das dos jovens que frequentam a Academia, posso dizer, como muitos outros que vêm de um contexto semelhante, que o Johnson mostrou que o que que importava no final do dia era aquilo que somos, e que “Somos aquilo que fazemos”, como ele dizia. Obrigado, Johnson!