No dia 30 de outubro, entrou em vigor uma lei atrativa para os chamados nómadas digitais. Nómada digital é um conceito que surgiu durante o período pandémico e que geralmente representa um trabalhador que exerce as suas funções de forma remota, aproveitando essa circunstância para não se fixar num local e ir trabalhando em diferentes pontos do globo à sua discrição. O diploma prevê a atribuição de um visto que permite trabalhar em Portugal durante um ano, de forma independente ou subordinada. Para isso, precisam, entre outras coisas, de provar que auferem pelo menos 2,820 euros por mês (quatro vezes o salário mínimo).

Portugal tem sido um destino popular entre estas comunidades de profissionais, que apreciam o nosso clima temperado, segurança, gastronomia apetecível e proximidade ao mar. Para alguns, oriundos de países com preços mais elevados, até os custos de vida mais baixos se tornam numa vantagem.

Ainda não existia um enquadramento legal que conferisse um visto de trabalho remoto, mas, agora que foi oficializado esse estatuto, questiono-me sobre as suas vantagens para os jovens portugueses (os que ainda cá estão).

Aos 24 anos, tendo tido a oportunidade de levar a cabo formação superior e de ingressar no mercado de trabalho, preparo-me para dar um passo rumo à independência e sair de casa dos meus pais, tendo para isso de comprar ou arrendar casa. Escusado será dizer que me preocupo com a chegada dos nómadas digitais e como isso irá afetar os preços no mercado imobiliário. As rendas e taxas de juro já sofreram um aumento acentuado desde o início do ano, só faltava chegar uma enxurrada de pessoas da mesma faixa etária e com salários consideravelmente superiores para distorcer os preços do mercado de habitação face à realidade portuguesa.

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Também me interrogo sobre as vantagens para o meu país de contar com o trabalho de pessoas que, assumindo que têm qualidade técnica e pessoal, apenas estão cá fisicamente. Ou seja, o “escritório” é cá e o trabalho é feito cá, mas quem beneficia desse produto é uma entidade estrangeira que os emprega, ou os próprios, caso trabalhem por conta própria.

Pensando alto, quais são os objetivos de atrair nómadas digitais para Portugal? O perfil habitual destas pessoas é de alta qualificação académica e elevado salário. Após um ano a trabalhar em Portugal, que lhes acontecerá? Não me parece que por aqui continuem. Ainda que conseguissem uma posição numa empresa local, provavelmente iriam auferir bastante menos do que quando eram “meros” nómadas a trabalhar por conta própria ou para outra firma estrangeira, o que não lhes permitiria manter a qualidade de vida que tinham enquanto trabalhadores remotos. Estamos então a atrair talento e conhecimento que provavelmente não virá para ficar e que, a ter vantagens, dá-me a sensação de que são indiretas e residuais.

É pena olhar para estes esforços para atrair jovens estrangeiros num momento em que se veem tantos dos nossos a ir e a desejar ir. Continuam, infelizmente, bem presentes as palavras da poetisa galega Rosalía de Castro em “¡Pra a Habana!”, cantadas mais tarde por Adriano Correia de Oliveira na música “Cantar da Emigração”: “Este parte, aquele parte, e todos, todos se vão”.