Mariana falou nas alterações legais ao regime de arrendamento que assustaram a sua avó.
Com isso deu um bom contributo para a discussão sobre os efeitos que diferentes regulamentos podem ter nos mercados, contribuindo para melhorar a sua eficiência ou aumentar a sua ineficiência, quer social, quer económica.
O que hoje se sabe é que a avó de Mariana, aos 76 anos, tinha (ou tem) uma casa arrendada na Avenida de Roma, por 400 euros, ao abrigo da legislação que protege os contratos anteriores a 1990.
Não sei as características da casa, excepto que, a julgar pela informação constante do site da Fundação que é dona da casa, seguramente a casa não terá menos de 100 metros quadrados, num prédio de nove andares.
Não vou discutir a informação que o aluguer de uma casa na Avenida de Roma, há perto de setenta anos, por uma renda que hoje chega aos 400 euros, indicia sobre o nível socio-económico da família da avó de Mariana Mortágua, partamos apenas da evidência de estarmos perante uma família de classe média (Mariana diria, provavelmente, de gente da burguesia).
O que me interessa é agradecer a Mariana a oportunidade que me dá de discutir os efeitos sociais, e depois os efeitos económicos, da regulamentação do arrendamento que Mariana não quer mudar para não sobressaltar a sua avó.
O senhorio é uma Fundação com trabalho social no concelho de Tábua que, de acordo com o seu site, poderá ser descrito assim (claro que pode ser tudo aldrabice, mas confiemos no Estado que tem como função a fiscalização deste tipo de coisas):
“Desenvolvimento de actividades e apoio a pessoas com necessidades de assistência do foro psiquiátrico, acto que ficou registado pelo “jornal “A Comarca de Arganil ” do concelho de Tábua. … A valência de unidade de vida apoiada surge como uma resposta válida onde o utente, de forma temporária ou permanente, encontra um lar, conforto, tranquilidade e segurança para manter e melhorar a sua autonomia e independência, bem como as actividades desenvolvidas de cariz ocupacional, facilitar a sua autonomização e reintegração social, como ainda apoiar e envolver as famílias neste processo. A segunda valência, – o fórum socio-ocupacional – integra-se como uma resposta válida para o fim a que se destina, onde o utente, através das actividades desenvolvidas, de cariz ocupacional, desenvolverá as suas capacidades físicas e cognitivas, bem como permite facilitar a sua autonomização e reintegração social, como ainda apoiar e envolver as famílias neste processo. Esta parceria, que funciona já há quatro anos, tem sido muito profícua para os seus utentes”.
A fundação foi instituída por um senhor que durante a sua vida criou riqueza (eu sei que Mariana dirá que explorou o seu semelhante) suficiente para ter dois prédios em Lisboa e mais umas quantas propriedades, e depois devolveu parte dessa riqueza à sociedade, da forma filantrópica acima descrita.
Cada euro que a avó de Mariana poupa na sua renda de casa, é um euro a menos disponível para apoio a pessoas com deficiência mental no concelho de Tábua.
Se a avó de Mariana tiver mais dificuldades que os doentes mentais de Tábua, faz sentido que o Estado e a sociedade se empenhem em defender a renda da avó em detrimento do rendimento da fundação que lhe aluga a casa mas, na hipótese muito mais provável da avó ter uma vida bem melhor que a generalidade das pessoas apoiadas pela Fundação, convenhamos que o efeito social do congelamento das rendas, neste caso, é anti-social.
Resumindo, a pesada regulamentação do mercado de arrendamento é socialmente trágica, com milhares de pessoas a beneficiar de recursos que poderiam ser muito mais eficientes se usados no apoio directo a quem não tem recursos para aceder a uma casa.
O exemplo concreto que Mariana resolveu trazer para a discussão é também bastante bom para ilustrar o efeito económico do condicionamento das rendas.
A Fundação, e o senhor que a instituiu antes dela, deixa de investir os seus recursos na construção de casas para arrendamento porque o rendimento que daí obtém não o justifica. Em muitos casos, aliás, deixa, sequer, de fazer manutenção do edificado, num processo de pura destruição de valor.
Esta fundação, as pessoas que instituem fundações, fundos de pensões e outros investidores potenciais em imobiliário, quando tiverem uns euros para investir, eliminam imediatamente a hipótese de investir em prédios de rendimento, a menos que a regulamentação seja profundamente alterada.
O resultado é o que hoje vemos, escassez de casas, degradação do edificado e preços a disparar nas áreas em que a procura é forte.
Eu sei perfeitamente que Mariana está cheia de boas intenções, mas também sei que é tão ingénua que depois de um primeiro orçamento de Estado em que explicitamente se declarou enganada por António Costa (aprovou um orçamento catita, mas António Costa executou outro com a malandrice das cativações), continuou, ano após ano, a aprovar orçamentos que a enganavam sempre com o mesmo truque: inscrição de investimentos supimpas e execução de investimentos minguados por cativações sucessivas.
Chega a ser ternurenta a capacidade de Mariana acreditar, todos os anos, que nesse ano ia ser diferente, aprovando orçamentos para, no fim, verificar que os resultados são o que são, incluindo na habitação.
Não admira que, com esta credulidade e incapacidade para aprender com a experiência, Mariana ache que condicionar, congelar a renda da sua avó para defender o seu direito a viver toda a vida na mesma casa, sem sobressaltos, não tem efeitos secundários.
Não há como não lhe agradecer o banho de realidade que resulta do conhecimento integral do drama habitacional da sua avó.
Agora só lhe falta demonstrar a mesma empatia para com os doentes mentais de Tábua que demonstrou para com a sua avó.