Desde 2015 que volto regularmente a este artigo de Porfírio Silva “E agora, esquerda?”.

Provavelmente, não pelas razões de quem o escreveu – defender a geringonça, numa altura em que ainda havia dúvidas sobre ela – mas por ser a expressão mais clara que conheço do que era o grande medo e a grande prioridade do PS nessa altura: evitar o destino do PASOK e do Partido Socialista Francês, apenas para citar os mais evidentes.

Voltei a lembrar-me deste artigo por estes dias porque me parece claro que este medo, o medo de “pasokar”, não é hoje apenas do PS, mas percorre todo o espectro político, incluindo, aparentemente, o CHEGA, não porque esteja em perda, mas porque tem medo que a normalidade democrática acabe por o reduzir ao terceiro partido do sistema (e, depois, se assim acontecer, o tempo dirá se se esvazia ou se fica acantonado nessa posição).

Aparentemente, parece-me hoje claro que o objectivo estratégico do Chega é substituir o PSD como um dos grandes partidos do sistema, elegendo-o, por isso, como o seu grande inimigo, sem grande problema em ter as alianças táticas informais com o PS que for preciso para atingir esse objectivo.

André Ventura parece-me que partilha com António Costa um interesse absoluto pelo exercício do poder e uma razoável indiferença pelos resultados que o exercício desse poder possa ter sobre as pessoas comuns.

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Durante muito tempo a normalidade democrática garantia aos partidos dominantes um futuro com altos e baixos, mas um futuro.

Hoje o PSD tem medo de ser engolido pelo Chega, o PS tem medo que estar longe do poder o faça reduzir-se progressivamente, perdendo votos para os incumbentes, para a contestação e para a abstenção e, para além do Chega que já referi, os pequenos partidos fiquem onde estão, na melhor das hipóteses.

Nestas circunstâncias, é natural que os partidos tradicionais tendam a considerar a ocupação do poder como uma questão vital de sobrevivência, pouco mais tendo para oferecer, uma vez desvalorizadas as ideologias.

O governo deixa de ser uma mera oportunidade, temporária, para executar políticas que consideram melhores, e o principal partido emergente, o Chega, tem uma necessidade absoluta de não perder o impulso que lhe tem permitido questionar a alternância democrática assente no bipartidarismo, à boleia das oportunidades que António Costa abriu em 2015, com a sua, de António Costa, indiferença pelas instituições.

We contend that individuals who are high in Need for Chaos share hostile rumors as a way to destabilize the established political system. As discussed above, these individuals may believe that sharing hostile rumors mobilizes like-minded others and creates confusion among those with the status they seek. In addition, the normative transgressions involved in the sharing of offensive and outrageous information may in itself be seen as attempts to assert the dominance that people high in Need for Chaos so strongly crave”.

Este parágrafo é do artigo “The “Need for Chaos” and Motivations to Share Hostile Political Rumors” (obrigado a quem me fez chegar às mãos) e, embora seja sobre indivíduos, serve bem para iluminar o que se passou nestes dias na Assembleia da República, à luz da ideia de que o debate no parlamento português já não é tanto um debate entre adversários políticos que têm ideias diferentes sobre as políticas a seguir, mas um debate sobre grupos sociais que temem pela sua sobrevivência: uns porque temem perder o que sempre foram, outro porque quer garantir que chega onde os outros chegaram.

Aparentemente, a AD adoptou, uma estratégia base de sobrevivência – o reforço das instituições e da normalidade democrática – que na verdade é o que melhor lhe permite distinguir-se da “necessidade de caos” que acredita que alimenta o Chega.

É uma estratégia de risco, que nunca terá o apoio da imprensa, quer porque a imprensa vive da efervescência da novidade permanente, quer porque os jornalistas de política são, quase sempre, viciados na quadrilhice, para além de ser uma estratégia com grande grau de incerteza e que demora a dar resultados.

Eu acho que é um risco que vale a pena correr.