Estava a jantar na sexta-feira, com uma televisão sem som em pano de fundo, quando às tantas comecei a ver uma legenda onde se lia algo como “Olivença é nossa” misturada com referências ao Ministro da Defesa, Nuno Melo. Essas legendas eram acompanhadas por imagens de uma cidade identificada como Olivença.
Nesse dia, Nuno Melo tinha estado numa cerimónia, na qualidade de Ministro da Defesa e em resposta a uma pergunta terá dito, segundo o jornal Observador, que “Olivença é portuguesa e deverá ser entregue ao Estado português”. Depois, no Twitter/X, explicou que fez essa afirmação na qualidade de Presidente do CDS e que esta não vinculava o governo.
Esta afirmação surge no contexto de uma guerra na Europa, a mais violenta e intensa desde a Segunda Guerra Mundial. Essa guerra é justificada pelos neonazis do Kremlin com razões históricas que sabemos se basearem em factos distorcidos e mentiras descaradas, como, aliás, é apanágio de tudo o que vem da Rússia. Outra ditadura, a China, ameaça cada vez mais a soberania de Taiwan também por razões históricas.
A soberania de um povo não pode ser posta em causa com base em acontecimentos históricos, que no limite colocariam Portugal e a Espanha, como parte do império Romano, ou como parte do Califado Omíada de Al Andaluz, em cujas capitais, respetivamente Roma e Damasco se sentam os chefes de Estado e respetivos governos da Itália e Síria. Alguém no seu juízo acha que faz sentido a Itália ou a Síria reclamarem a soberania da Península Ibérica?
Num mundo civilizado, a soberania não se decide com base em argumentos históricos, mesmo quando achamos que a razão está do nosso lado, mas sim no princípio da autodeterminação dos povos que faz parte do Direito Internacional, seguido pela União Europeia, que inclui Portugal e a Espanha. Este princípio procura assegurar a independência, a liberdade e o direito de organização própria dos povos. Visa proteger o direito dos povos de determinar o seu sistema de governo, assim como a forma como se organiza nos planos económico e sociocultural.
A invocação de argumentos históricos, como base para reclamar território de outro país, torna o mundo bem mais perigoso, como infelizmente podemos constatar atualmente. E um mundo mais perigoso precisa de maior investimento na área da Defesa. Ora, justamente, em 2006, a NATO decidiu que o investimento de cada um dos seus estados-membros na área da defesa deveria corresponder a 2% do respetivo PIB. Portugal nunca atingiu esse valor. Em 2024, Portugal deverá investir cerca de 1,55% do seu orçamento na Defesa e fica atrás de 24 países NATO, como por exemplo da Croácia, Montenegro, Albânia, ou Macedónia do Norte.
Portugal é um dos países da NATO que menos investe na área da Defesa, sofre de crónica e crescente falta de pessoal nos três ramos das Forças Armadas, que nos últimos anos sofreram algumas humilhações. Lembro-me do episódio do roubo de armas em Tancos, onde os criminosos utilizaram um carrinho de mão para transportar as armas roubadas e também da recusa da tripulação de um navio patrulha da Marinha em escoltar um navio russo, que passava na nossa costa, por duvidarem da segurança e fiabilidade do seu navio.
Os portugueses não dão importância ao investimento na Defesa por que se sentem protegidos. Mas, infelizmente, essa proteção é sobretudo oferecida por terceiros, nomeadamente pela NATO, e vários dos seus países membros, incluindo a Espanha. Toda a fronteira terrestre portuguesa tem do outro lado a Espanha. E não há qualquer ameaça vinda de Espanha. Ao contrário, a Espanha é uma barreira a qualquer ameaça que possa vir de outras paragens, como, por exemplo, do Norte de áfrica.
Mas então qual é o objetivo de fazer este tipo de afirmações? Para chamar à atenção? Puxar pelo nacionalismo? Criar um conflito diplomático com o vizinho do lado, enquanto temos uma guerra na porta da Europa? Não consigo perceber como é que o Ministro da Defesa se mete nesta confusão. Não consigo compreender como um Ministro da República faz este tipo de declarações publicas sem perceber o alcance daquilo que está a dizer. Não consigo perceber como é que se pode ter ao mesmo tempo este nível de leviandade e ser Ministro da República.
Só encontro uma explicação. O vinho do almoço estava estragado, e a indisposição levou o Ministro a dizer uns disparates.