De Nuremberga a Haia são sete horas de distância que 75 anos ainda não conseguiram percorrer. Um planeta sem jurisdição universal, em que a coercibilidade tem exclusividade estatal, continuará a deixar em vácuos profanos os seus direitos humanos. Embarquemos, então, neste comboio azarado onde a geografia pesa amiúde.

A excursão começa na Baviera, uma das 16 regiões alemãs, com muito mais que automóveis e cevada fermentada. Do extenso lago em Lindau aos rios cruzados em Passau, de Regensburg a Augsburg e outros burgueses lugares. Mas também Munique, onde a cerveja trazia a eloquência de 25 pontos, a aglomerações e desfiles pomposos em Nuremberga, fazendo escala em Dachau, onde o ajuntamento era forçado à escala do metro concentrado. Nestes belos lugares, assim como em demais território vital, o mal tornou-se banal.

Entretanto, damos um salto à Polónia, local onde a guerra se oficializou e a crueldade, por uma dita lealdade, reinou. Olhamos as palavras do filósofo George Santayana, agora imortalizadas nas paredes de Auschwitz, onde os carris descarrilavam e a dignidade humana foi cremada – “aqueles que não conseguem lembrar o passado, estão condenados a repeti-lo”.

Lembremos então esse passado, antes de um regresso ao futuro. Sem armistício como outrora, a rendição incondicional tornou-se inevitável. Não há espaço para julgamentos encenados como em Leipzig, ou se fuzila o extremismo ou se fossiliza o positivismo. Faça-se então uma bela empreitada num palácio, que não o de Versalhes, para que a justiça seja remodelada.

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Nuremberga 1945, começa a história a ser feita com a cobertura mediática que um megaprocesso atrai, sem canais sensacionalistas, mas muitas sensações canalizadas. Deixando a indelicadeza de referir um maior pormenor de se manter a justiça dos vencedores sobre os vencidos, EUA, Reino Unido, França e União Soviética aliam-se em redor de um Tribunal Militar Internacional, com garantias processuais para os acusados.

Percorremos a sala 600, no banco dos arguidos, sem os nomes mais sonantes que a propaganda anunciava, brilha o sorriso maquiavélico de Göring, mostrando os dentes arianos que escondem o cianeto, que o safa do sufoco. Estes altos dirigentes da perversidade organizada são acusados por um quarteto fantástico de potências, ainda hoje sentadas em segurança no seu conselho, e crimes: crimes contra a paz, guerra de agressão, crimes de guerra e crimes contra a Humanidade. Este último, um grande legado, que deve ser recordado. Com tal feito, Nuremberga planta a semente, em honra da árvore que floresce numa sinagoga em Budapeste, onde repousam os nomes das vítimas – e não só. O mundo até Tóquio viu, com algumas dioptrias, uma nova forma de condenar a cegueira de uma visão sórdida.

Nuremberga passou, mas algo ficou. A ideia de um tribunal internacional que julgue crimes prosseguiu a sua viagem. O capitão Ad hoc comandou este navio pela ex-Jugoslávia e pelo Ruanda, mas como sempre todos os caminhos vão dar a Roma, onde em 1998 se expressou amor pelo Direito Penal Internacional, de forma permanente.

A aia do Direito Internacional aparecia novamente em 2002 nos Países Baixos, numa cidade que já albergava o Tribunal Internacional de Justiça. A novidade de um novo Tribunal Penal Internacional é simples, aqui não se julgam Estados, nem Estados julgam, julgam-se pessoas por crimes horrendos cometidos, perante uma estrutura fixa e supraestadual.

Porém, a verdade é uma: 18 anos depois, o Tribunal Penal Internacional ainda não atingiu a maioridade. O mundo precisa que seja maior e acompanhado das maiores potências, como China, Rússia e, ironicamente, os Estados Unidos da América. Esquecem-se as palavras do seu cidadão Robert H. Jackson, eterno procurador de Nuremberga, que encontramos no seu discurso inicial, onde realça a indispensabilidade do Direito Internacional “para um mundo que planeie viver em paz”.

Nestas bodas de diamante, o sangue ainda derramado não nos permite ter as mãos limpas e acenar ou comemorar com pompa e circunstância. Desinfete-se então as nossas falanges para bem da nossa sanidade global e para que não escorregue o martelo no ato de julgar. Até lá, Nuremberga fica na história e na geografia de Estados que reconhecem o valor da cooperação global, guardando a saudade de um futuro com mais Humanidade.