De tempos a tempos vêm referidos na Comunicação Social casos de mau uso dos procedimentos da contratação pública e adjudicação de empreitadas, compras ou de serviços por parte nomeadamente de autarquias locais, mas não raro igualmente na Administração Central.

À contratação pública, enquanto procedimento administrativo, é aplicável a generalidade dos princípios da atividade administrativa: o princípio da legalidade; o princípio da proporcionalidade; o princípio da imparcialidade; o princípio da transparência e o princípio da boa-fé.

Tudo isto está claramente definido na legislação que tem ao longo dos anos vindo a ser aperfeiçoada no sentido da transparência e com ela reduzir ou evitar a corrupção, que não raro vem associada ao incumprimento das suas regras.

A legislação aplicada à área das compras e da contratação pública visa colocar todos os interessados em pé de igualdade e garantir que seja o melhor serviço dentro dos parâmetros proposto em concurso, não permitindo adjudicações de favor ou obter benefícios ilegítimos.

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Está tudo bem definido e tem vindo desde há muito a aperfeiçoar-se, mas verificaram-se nos últimos 14, 15 anos, situações verdadeiramente inusitadas e aberrantes, a que podemos chamar utilização de concursos indiretos pela Câmara Municipal de Lisboa, nos mandatos de António Costa e Fernando Medina, já que não eram concursos públicos, consultas a vários fornecedores ou mesmo ajustes diretos. Foram uma forma indireta de contornar o escrutínio público e político, pois tudo era feito sem qualquer espécie de controle.

O mais aberrante é que os procedimentos da CML, nos mandatos de António Costa e Fernando Medina, à revelia de toda a legislação aplicável, é e foi sempre do conhecimento do Tribunal de Contas, Procuradoria Geral da República e da própria Polícia Judiciária e sempre veemente contestada nos órgãos próprios do Município, Câmara e na Assembleia Municipal, com alguns reflexos, poucos, na Comunicação Social.

Então qual foi o esquema montado para ultrapassar toda a legislação relativa à contratação pública por estes dois importantes autarcas, que governaram Lisboa mais de catorze anos?

Foi aproveitada uma Associação de direito privada sem fins lucrativos, designada por Associação Turismo de Lisboa, constituída pela CML e entidades representativas da atividade turística da região de Lisboa, com a finalidade de promover a Região de Lisboa, nos diferentes mercados turísticos emissores, bem como providenciar uma informação turística de qualidade aos turistas que nos visitam.

Esta Associação de direito privado tem como Chairman e Presidente Executivo nos mandatos dos dois autarcas, o próprio Presidente da Câmara.

A ATL, embora possa ter receitas das cotizações dos seus associados, estas representam uma ínfima percentagem dos meios financeiros que a CML lhe atribui, através de protocolo de 2012, sem esquecer o imenso património transferido pelo Município para ser explorado pela ATL.

A Câmara transferiu para a ATL os meios humanos, materiais e financeiros acordados em protocolo elaborado em 25 de Junho de 2008.

Logo em 31 de Agosto de 2012, pela lei 50/2012 (RGAEL), este procedimento é tornado ilegal de forma imperativa, pois impede o relacionamento financeiro entre entidades públicas participantes e entidades participadas. Estes atropelos em Lisboa eram de uma evidência cristalina, tendo sido ao longo dos anos contestados por mim e outros autarcas de Lisboa, quer no executivo municipal, quer na Assembleia Municipal.

Na sequência desta lei, por todo o País foram alterados os estatutos e ou encerradas as associações de direito privado idênticas, mas em Lisboa o procedimento até se acentuou, pois além das transferências para fins de promoção turística, fizeram-se, às centenas de milhões, transferências para a realização de obras públicas e de património, ou seja depois desta lei a Câmara Municipal de Lisboa aumentou essas transferências e diversificou os seus fins.

Auditoria do Tribunal de Contas

O Tribunal de Contas realiza uma auditoria à Câmara, na sequência de uma queixa que lhe foi enviada por alguns ex-autarcas em 2018, referente aos anos de 2014 a 2018.

O despacho do Tribunal de Contas na sequência dessa auditoria é divulgado só em 2021, referindo-se apenas ao período de 2012 a 2014, e considera “A falta de habilitação legal para a manutenção do Protocolo de Acordo entre a ATL e a CML e que a atribuição de subsídios à exploração à ATL, são suscetíveis de constituir a prática de eventual responsabilidade financeira sancionatória nos termos da alínea b) do nº1 do artº 65 da LOPTC.”

Considera ainda ilegal os protocolos com a ATL relativos à Ala Nascente do Terreiro do Paço, zona Ribeirinha, Arco da Rua Augusta, esquecendo-se da ala Poente do Terreiro do Paço, da Praça da Ribeira e do Parque de Campismo de Monsanto pelo menos.

O Tribunal de Contas considera depois que o procedimento da eventual responsabilidade financeira já se encontra extinto, por prescrição, cometidos de 2012 a 2014.

Esquece o TC que estes procedimentos continuaram muito depois de 2014, tendo até aumentado nos anos 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021.

Ajustes indiretos

Pior do que as transferências financeiras da Câmara Municipal de Lisboa para as atividades de promoção e informação turísticas cometidas à ATL, como se viu sempre ilegais, foram os milhões transferidos para a ATL para a realização de obras públicas na cidade de Lisboa à revelia de qualquer controle, real, ou imaginário.

Assim a CML livrava-se do cumprimento da legislação da contratação pública, concursos, consultas e outros procedimentos legais e administrativos para realizar obras públicas por toda a cidade de Lisboa sem qualquer controle, na maioria dos casos sem dar conhecimento à própria Assembleia Municipal

O próprio Dr. Fernando Medina, na qualidade de Presidente da Câmara e simultaneamente Presidente Executivo da Associação de Turismo de Lisboa, participa na discussão da proposta nº 294/2019 de repartição de encargos plurianuais que transfere para ATL 3.345.000,00 € em 2016; 11.300.000,00 € em 2017 8.495.00,00 € em 2018 e 5.500.000,00 € em 2019, num total de 28.640.000,00 €.

Como a votação em Câmara foi seis votos contra e seis a favor, usa o seu voto de qualidade.

Esta proposta foi a única, do meu conhecimento, presente à Câmara e à Assembleia Municipal para a de realização de obras públicas pela ATL com dinheiros municipais, por se tratar de repartição plurianual de encargos.

A Câmara de Lisboa ao longo dos catorze anos de mandato de António Costa e Fernando Medina transferiu para a ATL, em património edificado:

  •  Todos o R/C dos edifícios do Terreiro do Paço;
  • Todos os edifícios de restauração da zona ribeirinha entre a Torre de Belém e Santa Apolónia;
  • O Mercado da Ribeira;
  • O Pavilhão Carlos Lopes;
  • O parque de Campismo de Monsanto;
  • O Arco da Rua Augusta, entre outros.

Os princípios da legalidade e da transparência foram totalmente ignorados e quem nos garante que não existiram comportamentos desviantes, com tantas facilidades concedidas, durante tantos anos.

Que existirá mais em procedimentos irregulares em redor destes processos, que prejuízos financeiros trouxeram ao Município de Lisboa, quem foram os beneficiários de tamanhos atropelos à lei e à ética?

Onde estão os concursos públicos nacionais ou internacionais, onde estão os ajustes diretos e a quem, com que custos? Ninguém sabe para além dos responsáveis pela ATL onde se incluem os citados presidentes da Câmara de Lisboa.

Não haverá inspetores disponíveis, para analisar tudo isto com rigor e sem medo.

Isto passou-se à frente dos olhos de todos, durante catorze anos.