No passado 26 de Março, 5º Domingo da Quaresma, a Conferência Episcopal da Escandinávia – que integra as dioceses da Dinamarca, da Suécia, da Noruega, da Finlândia e da Islândia – publicou uma Carta Pastoral sobre a sexualidade humana, que toma como referência um fenómeno natural com relevância bíblica: o arco-íris.

Depois do dilúvio, Deus estabeleceu com Noé uma aliança. Como recordaram os Bispos nórdicos, “fomos chamados a viver abençoados na terra e a ser felizes uns com os outros. O nosso potencial é maravilhoso, sempre que temos presente quem somos, pois ‘Deus fez o homem à sua imagem’ (Gn 9,6). Fomos chamados a converter em realidade esta imagem, através das nossas escolhas de vida. Foi para ratificar esta aliança que Deus fez aparecer no céu um sinal: ‘porei o meu arco no céu, como sinal da minha aliança com a terra. Aparecerá um arco nas nuvens e, ao vê-lo, recordarei a aliança perpétua entre Deus e todos os seres vivos, todas as criaturas que existem sobre a terra’ (Gn 9, 13.16).

Os Bispos escandinavos não ignoram que o arco-íris foi abusivamente adoptado como bandeira do lóbi LGBT, ao qual atribuem, contudo, algum valor: “Reconhecemos tudo o que há de nobre neste movimento. Na medida em que defende a dignidade humana e o desejo de todas as pessoas a serem como tais reconhecidas, fazemos nossas as suas aspirações. A Igreja condena todas as formas de injusta discriminação, também as decorrentes do género, ou da orientação afectiva.

Mas o episcopado dos países do norte da Europa não concorda com a forma como, em muitos países, como no nosso, se procura impor esta ideologia não-científica: “Não concordamos, no entanto, com este movimento, quando propõe uma visão da natureza humana separada da integridade corporal da pessoa, como se o género físico fosse acidental. E protestamos contra a imposição desta visão, pela força, às crianças, como se fosse uma verdade demonstrada e não uma hipótese temerária que se lhes impõe, com uma pesada carga de autodeterminação, para a qual ainda não estão preparadas. É chamativo que uma sociedade tão atenta, de facto, ao corpo, o considere com superficialidade, na medida em que o desconsidera como significante da identidade.

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Com efeito, segundo a natureza, todos os seres homens são homens ou mulheres. Por via de excepção, também há casos de disforia de género, que merecem toda a atenção e respeito, mas que não são razão para que se ignore o sexo como significante primário da identidade, nem para que se atormente uma criança, ou jovem, com questões sobre a respectiva identidade que, pela sua falta de experiência e maturidade, não pode resolver. Aliás, se cada pessoa é o que decorre da sua auto-percepção subjectiva, que resulta de uma contínua construção da própria imagem, este processo seria interminável, bem como a correspondente crise de identidade.

Os signatários da Carta Pastoral são cientes da importância do corpo humano e da sua significação identitária, sem desvalorizar os conflitos que uma tal identificação possa suscitar. A vida cristã é, sempre, luta entre os valores mais altos do espírito e as mais baixas paixões do corpo que, com a ajuda da graça de Deus, se podem dominar. Foi o que fizeram os santos, como Paulo, que se queixava do seu “corpo de morte” (Rm 7, 24), ou Agostinho, que sofreu as fraquezas da carne antes de alcançar a paz do espírito.

A imagem de Deus na natureza humana manifesta-se na complementaridade do masculino e do feminino. O homem e a mulher foram criados um para o outro: o mandato de serem fecundos depende desta relação recíproca, que é santificada pela união matrimonial. Na Escritura, o casamento de um homem com uma mulher é imagem da comunhão de Deus com a humanidade.” Nem todos estão chamados ao matrimónio, que para alguns é até uma “opção impossível”. Mesmo para os que têm vocação matrimonial, “a integração interior das características masculinas e femininas pode ser árdua”.

O episcopado escandinavo recorda que a Igreja abre os seus braços a todos: “como vossos bispos, queremos dizer isto claramente: estamos à disposição de todos, para a todos acompanharmos.

A Igreja é fraterna e hospitaleira: há lugar para todos. Um texto declara que a Igreja é ‘a misericórdia de Deus descendo sobre a humanidade’ (Cova dos tesouros, midrash aramaico do século IV). Esta misericórdia não exclui ninguém, mas estabelece um ideal elevado. Este ideal está exposto nos mandamentos, que nos ajudam a crescer para além das limitadas noções da nossa identidade. Fomos chamados a converter-nos em homens e mulheres novos. Todos possuímos aspectos caóticos da nossa personalidade que precisam de ser ordenados.” Neste sentido, a integração da própria sexualidade no âmbito da vivência da fé e da caridade é sempre custosa, não apenas pelas exigências desordenadas da concupiscência – a natureza ferida pelo pecado – mas também pelas tentações decorrentes do egoísmo e da soberba, que desvirtuam a relação com o próprio corpo e com o próximo, convertendo-o num meio, ou objecto, de satisfação pessoal.

A exigência do ideal cristão e a fraqueza da natureza humana podem impedir a vida sacramental, mas mesmo nessas circunstâncias – pense-se, por exemplo, em quem vive maritalmente com quem não casou pela Igreja e, por isso, não se pode confessar, nem comungar – não se deixa de ser cristão. “A comunhão sacramental pressupõe uma vida vivida de maneira coerente e em conformidade com a aliança selada pelo Sangue de Cristo. Pode acontecer que as circunstâncias de vida de um fiel católico lhe impeçam, por um tempo, receber os sacramentos, mas ele, ou ela, não deixa, por isso, de ser membro da Igreja. A experiência do exílio interior, vivida na fé, pode conduzir a um sentido de pertença mais profundo. Isto é o que frequentemente acontece nos exílios bíblicos. Cada um de nós tem que percorrer o seu próprio êxodo, mas não caminhamos sós”.

A Conferência Episcopal da Escandinávia reconhece que a moral sexual católica é vista, na actualidade, com perplexidade. Para o entendimento cristão da sexualidade, os Bispos nórdicos aconselham o conhecimento integral da Bíblia e do Magistério da Igreja, bem como a participação na vida eclesial. É também necessário substituir uma nomenclatura já viciada, por uma terminologia assente na “natureza sacramental da sexualidade, segundo o plano de Deus, na beleza da castidade cristã e na alegria da amizade, que permite descobrir que uma grande e libertadora intimidade pode ser também encontrada em relações de carácter não sexual”, porque, como recorda o prólogo do Catecismo da Igreja Católica, “a finalidade da doutrina e do ensino deve fixar-se toda no amor, que não acaba (…).” (nº 25).

Em tempos de provação, o sinal da aliança primitiva de Deus envolve-nos. Chama-nos a procurar o sentido da nossa existência, não nos fragmentos de luz refractada do arco-íris, mas na fonte divina do espectro todo, completo e maravilhoso, que procede de Deus e nos convida a tornarmo-nos semelhantes a Ele. Como discípulos de Cristo, que é a Imagem de Deus (Cl 1, 15), não podemos reduzir o sinal do arco-íris (…). Deus ofereceu-nos ‘preciosas e sublimes promessas, para que, por seu intermédio, (sejamos) participantes da natureza divina’ (2Pd 1, 4).