O Jaime Nogueira Pinto tem uma passagem soberba num artigo que escreveu há tempos no jornal Observador, a propósito da peça de teatro Catarina e a beleza de matar fascistas: “[…] E, para não quebrar a tradição, quando lhe começaram a faltar fascistas, reaccionários, Kulaks, camponeses, para matar, quando já não tinha sequer mencheviques, o que fez o “Pai dos Povos”, o “Corifeu da ciência”, o “Arquitecto do comunismo”, o “jardineiro da felicidade humana”? Voltou-se para os que não eram tão bons comunistas como deviam ser, convertendo-os, mais uma vez, em “fascistas” […] “. A democracia só é o melhor sistema quando corresponde à vontade de certas elites e lobbys que, traçando linhas vermelhas, decidem quem é verdadeiramente democrático e deve governar. E, quando já não vislumbram mais perigos para a democracia e não sabem o que fazer, voltam-se contra aqueles que não são tão bons democratas como deveriam ser, tentando fazer de tudo para impugnar as vontades dos povos de países soberanos. Mas, afinal, que maus democratas – ou “fascistas”, como superficialmente se diz na gíria – são estes?

Entre as propostas prioritárias do programa vencedor das eleições em Itália, destacam-se as propostas de apoio às famílias, que preveem a introdução de um sistema de tributação que tenha em conta o número de membros da família e o aumento dos montantes do subsídio único e universal, de até 300 euros por mês para o primeiro ano de cada criança, até 260 euros a partir do segundo ano de vida até aos 18 anos de idade, e a manutenção do actual subsídio até aos 21 anos de idade. A finalidade destas propostas passa justamente por incentivar a natalidade e aumentar a taxa da mesma. Não esquecer, também, que as propostas têm uma visão de continuidade, neste caso, não apenas para os primeiros 21 anos de idade, como igualmente para os anos posteriores, propondo a eliminação de impostos sobre a primeira casa e sobre os primeiros 100 mil euros para a compra da primeira habitação.

Será que apoiar de modo veemente as famílias, reconhecendo que estas são pedras basilares para o desenvolvimento da sociedade, torna o partido vencedor em Itália e os seus representantes, automaticamente, “maus democratas”? Ou será antes por terem apresentado uma proposta que visa posicionar a Itália num centro estratégico de distribuição de energia proveniente do Norte de África, com vista a contribuir, a curto prazo, para o término do abastecimento de gás russo para a Europa? Refira-se, de igual modo, outras propostas pertinentes e essenciais apresentadas por estes malvados antidemocratas, tais como: o apoio ao sector empresarial italiano; a defesa pela dignidade no trabalho; soluções que visam facilitar o primeiro emprego jovem; a defesa de um serviço de saúde eficaz e de uma valorização da pessoa idosa; a defesa da agricultura; propostas pela conservação e defesa do ambiente, com um plano transformador e altamente sustentável; uma renovação do sistema de infraestruturas; entre outras.

Não me parece, portanto, que exista qualquer radicalismo nestas propostas. Então, e reiterando a questão, qual é, efectivamente, a polémica em torno deste programa e da sua representante? O motivo é simples: posiciona-se sem receio contra o aborto e não compactua com os “progressismos” e combates levados a cabo pela comunidade lgbt. Já se torna hábito vermos serem apelidados de antidemocráticos indivíduos com preocupações sociais profundas, que valorizam a dignidade da pessoa humana e não se acobardam na defesa da vida, desde a sua concepção até à morte natural.

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Cabe, por estes motivos, aos leitores decidirem se querem ser influenciados pela media cada vez mais corrompida pela esquerda “progressista”, ou se, antes, preferem por si mesmos ler e compreender as propostas para não se deixarem cair no absurdo de rotular Giorgia Meloni de, imagine-se, “fascista”. Surreal é, de igual modo, observar os socialistas portugueses furiosos e perdidos que nem baratas tontas, esquecendo-se que, ainda ontem, estavam a governar com um partido comunista.

Mais recentemente, vimos a União Europeia a tentar condicionar as eleições de um país soberano e de um povo livre. Isto sim, é absolutamente assustador e grave. Contudo, e felizmente, a democracia vale por si mesma, e Itália é exemplo disso. Nunca uma organização supranacional liderada por pessoas sem qualquer tipo de legitimidade deverá ter força suficiente para decidir pelo povo soberano.

Se existem alguns “culpados” do crescimento da putativa “extrema-direita” em Itália, são precisamente os partidos moderados que, esticando a corda até esta não poder mais, permitiram que se rompesse e desse origem a uma nova realidade. A culpa não é de Meloni, a culpa não é do povo.

Ninguém é mais legítimo para decidir sobre o rumo de determinado país soberano do que o seu próprio povo. E é dessa premissa que se deve partir, ainda antes mesmo de atingirmos o estágio de discutir as posições ideológicas.