Pouco depois de acabar o meu doutoramento e ter regressado a Portugal, recebi uma visita da Debbie, uma colega americana. Num dos dias, fomos jantar a um dos melhores restaurantes da zona (rural) onde eu vivia e, naturalmente, pedi um menu em inglês para a minha amiga. Quando lhe estou a dar conselhos sobre o que pedir, apercebo-me de que os preços que estão marcados na ementa dela são mais baixos do que os do meu menu. Com a explicação do empregado de mesa, rapidamente percebemos o que se passava. Nesse restaurante, tinham-se imprimido menus em inglês para o Euro 2004, mas, depois disso, como os clientes estrangeiros eram tão poucos, não se deram ao trabalho de os actualizar. Já os portugueses tinham sido actualizados umas semanas antes. A Debbie ficou pasmada. Algumas das ideias mais importantes na macroeconomia moderna estão associadas àquilo a que chamamos “menu costs”, custos de menu, conceito que ela tinha aprendido poucos anos antes, mas cujo significado nunca tinha tomado literalmente.

Na maioria dos modelos macroeconómicos, se os preços são totalmente flexíveis então a economia está quase sempre em equilíbrio e políticas económicas que estimulem a procura (sejam políticas monetárias expansionistas ou aumentos da despesa pública) poucos efeitos reais têm. Todos os choques são rapidamente absorvidos por variações nos preços. A um acréscimo de procura (induzido, por exemplo, por uma política monetária expansionista), a economia reage com um aumento de preços que anula o acréscimo de procura inicialmente verificado.

Modelos com preços rígidos foram uma reacção a estes modelos matemáticos. A ideia era simples, adoptava-se o paradigma que se tornou dominante nos anos 70 e mudava-se ligeiramente os pressupostos. Era uma forma de jogar no campo do adversário e, ainda assim, ganhar. Na prática, atirava-se areia para o mecanismo de ajustamento dos preços, evitando que fossem perfeitamente flexíveis. Se, em resposta a choques externos, as empresas não pudessem, ou não conseguissem, mudar os preços, então o ajustamento seria feito pelas quantidades vendidas. Ou seja, a um acréscimo de procura correspondia um aumento da produção, estimulando-se a actividade económica.

Os custos de mudar os preços são variados e é fácil imaginar alguns. Por exemplo, contratos já assinados, informação imperfeita, imagem das marcas, etc. dificultam mudanças de preços. Na altura da hiperinflação brasileira, algumas grandes lojas chegaram a suportar os custos de ter empregados que tinham como única função mudar as etiquetas com os preços dos produtos. O exemplo mais óbvio deste tipo de custos é mesmo a despesa monetária de imprimir novos preços. Ou seja, de imprimir novos menus. Daí o nome, “custos de menu”. Diz-se até que foi no período hiperinflacionista do pós-Primeira Guerra Mundial que surgiram aqueles quadros de ardósia para os restaurantes terem os preços.

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Quase ninguém leva esta teoria literalmente, ou seja, quase toda a gente considera que os custos de imprimir novos menus são tão insignificantes que não é possível que sejam a causa dos ciclos económicos. Mas ficou como parábola, exemplificando a ideia de que uma pequena rigidez nominal pode ter efeitos importantes. E, claro, quando falo nestes modelos nas minhas aulas, aproveito sempre este exemplo dos menus em português e em inglês com preços diferentes.

Lembrei-me deste episódio com a Debbie há uns dias, quando o jornalista Paulo Ferreira escreveu no seu Facebook que uma boa forma de arrancar uma gargalhada a empregados de mesa era perguntar-lhes quanto mudaram os preços com a descida do IVA para a restauração. Para a piada ter efeito máximo, devia-se fazê-lo depois de olhar fixamente para os preços do menu.

E tornei a lembrar-me dele estas férias, num restaurante no Alentejo. Nesse restaurante, o menu era bilingue e tinha várias páginas. Ao fundo de cada uma das páginas, tinha um aviso com o valor do IVA incluído. E, como não quiseram suportar os custos de imprimir novos menus, limitaram-se a tapar o valor de 23% com um autocolante que dizia 13%. Ou seja, tal como Paulo Ferreira intuía, nenhum preço mudou. Apenas mudou o IVA incluído nesse preço. São os “custos de menu” em que, parece, os restaurantes portugueses são pródigos.

Manda a honestidade intelectual que se lembre que, aquando do aumento anterior do IVA de 13 para 23%, muitos restaurantes também não aumentaram os preços. Mas, como nessa altura se estava a atravessar uma recessão brutal, não terá sido apenas por causa dos “custos de menu” que não os aumentaram. Como estavam às moscas, aumentar os preços ia agravar ainda mais a crise que viviam. Já este ano, quando o IVA desceu, os restaurantes tinham voltado a uma actividade normal.

Este exemplo é engraçado, porque, ao contrário dos modelos macroeconómicos descritos acima, o sucesso desta política dependia de os preços serem flexíveis: apenas havendo uma redução de preços nos restaurantes é que seria de esperar um acréscimo da actividade. Com preços rígidos, o efeito principal é o de aumentar os lucros dos sócios da AHRESP (Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal). Mas isso já todos sabíamos, não é verdade?