As sondagens são apenas inferências para um universo das intenções ou inclinações de voto dos eleitores num dado período. Têm as suas limitações das quais destaco duas: as pessoas que não respondem e as que respondem de forma dissimulada. Ambos os efeitos subestimam sobretudo a votação no Chega. De qualquer modo parece-me que les jeux sont (presque) faits, com os resultados das sondagens do ISCTE/ICS e da Católica que estão no essencial alinhados, pelo que alterações até ao dia de votação serão marginais. Assim, com elevada probabilidade o PS ganhará as eleições e o PSD será o segundo partido mais votado com uma distância de pontos percentuais a determinar. O Chega pode perfeitamente situar-se como terceira força política à frente de BE e PCP (até pela subestimação já referida), a Iniciativa Liberal sobe à custa da descida do CDS e PAN e Livre deverão ter um peso eleitoral semelhante ao de 2019. A verificarem-se estes resultados dá já para responder a três questões.

Fez sentido Bloco e PCP terem derrubado o governo?

Claro que ambos os partidos estão a tentar construir a narrativa de que não derrubaram o governo. Formalmente não o fizeram, mas as suas exigências para viabilizar o orçamento foram desmesuradas face, quer ao seu peso político, quer ao facto de que, parte das suas propostas já tinham sido incorporadas no orçamento. Na realidade essas exigências pouco tinham a ver com questões orçamentais, mas laborais. Assim, a partir do momento em que Marcelo Rebelo de Sousa clarifica de forma cristalina a sua leitura política da situação do país – ou o orçamento é aprovado ou dissolve o parlamento pois a “geringonça” acabou – ambos sabiam que a não aprovação do orçamento levaria a eleições. No dia depois das eleições, olhando friamente para os seus resultados próprios, e para a alteração no quadro parlamentar, haverá muito para refletir e justificar.

Porque cresceu o Chega?

É importante compreender o eleitorado e a votação no Chega. A novidade é que temos o primeiro partido que é populista e não se revê no actual regime democrático. Tem vários membros que são racistas, xenófobos, contra os direitos das várias minorias (sejam elas ciganos, pessoas LGBTI, ou outras). Mas convém não confundir esses militantes com o eleitorado. Há certamente alguns eleitores que são racistas, xenófobos ou mesmo professem uma ideologia fascista. Porém, a grande maioria cai num misto de outras situações: alguns “trabalhadores pobres” que estão cansados de trabalhar e não veem as suas condições de vida melhorar, os que estão em situações laborais precárias e com medos em relação ao futuro, e muitos dos descrentes na capacidade dos partidos democráticos tradicionais em resolver os problemas graves do país. Destes destaco dois: a incapacidade de crescimento sustentável e a lentidão e ineficácia da justiça em geral, e no combate à corrupção em particular. Como já escrevi aqui o problema não está no Chega, mas nessa incapacidade de reformas por parte de PS e PSD. O voto no Chega é um voto de protesto. Baixos rendimentos, precariedade, fracos níveis educacionais e uma percepção social de injustiças e de corrupção, enquanto subsistirem, alimentarão esse voto. As suas propostas eleitorais podem ser absurdas, inexequíveis, irrealistas, injustas ou mesmo inconstitucionais (vidé a taxa única de IRS e artigo 104 da Constituição), mas quase ninguém lê programas. No dia seguinte ao dia 30, Ventura será um homem satisfeito. Mas as suas dores de cabeça ainda nem começaram.

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Como assegurar a governabilidade e o início de reformas duradouras?

O espectro de ainda maior ingovernabilidade após 30 de Janeiro, existe claramente se a partir dos resultados eleitorais previstos resultar um governo minoritário sem nenhuma garantia de estabilidade parlamentar. Portugal precisa de um governo a quatro anos que seja capaz de aprovar orçamentos e que faça reformas inadiáveis. Há quem defenda a reedição da “geringonça” havendo uma maioria de esquerda parlamentar: que garantias de estabilidade teríamos? Nenhumas. Que capacidade de reformas? Nenhumas. Não havendo maioria PS com PAN e Livre (caso Rui Tavares seja eleito) que hipóteses existem então?

Só restará mesmo PS e PSD. Conseguirão juntos, seja em coligação ou em acordo de incidência parlamentar, começar a implementar as reformas que o país necessita? Não, se a forma de fazer política for a do passado. Se se pretender fazer reformas com acordos realizados à porta fechada entre representantes dos respetivos partidos, sem escrutínio deliberativo público não sairá nada de muita qualidade. O que mostra a forma atabalhoada e incoerente dos acordos já feitos nestas circunstâncias – descentralização, CCDRs e modelos de governação das áreas protegidas – é que essa forma de fazer política não funciona.

Porém, se mudar a forma de fazer política a resposta é afirmativa. É necessário, para além de um largo apoio político a cada reforma, que ela resista ao escrutínio público (de universidades, think tanks, comentadores) e político. Se for uma boa proposta resiste e se não resistir é porque provavelmente não é boa. Tome-se o caso da regionalização que surge agora em ambos os programas eleitorais (referendar no caso do PS, compromisso para avançar desde que não signifique aumento da despesa pública no caso do PSD).* Uma proposta concreta que resulte de um compromisso político de PS e PSD deve ser submetida a discussão pública com algum tempo antes de ser formalmente submetida na Assembleia da República.

O PS não conseguiu reformar o país em áreas essenciais. O PSD tentou, mas fê-lo mal. Só parece haver uma solução para a governabilidade do país na próxima legislatura e a capacidade de fazer reformas: entenderem-se e mudarem a forma de fazer política. É nisso que Costa e Rio devem começar a pensar desde já para as conversas dos dias seguintes às eleições.

PS – A minha posição em relação à regionalização é a mesma de há muitos anos. Defini-a num livro (Pereira, P.T. (1998) Regionalização, Finanças Locais e Desenvolvimento, ed. Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, Lisboa) era então ministro João Cravinho. Resume-se a duas ideias: há um bom modelo de regionalização, que deve ser inspirado no modelo federal alemão e que assegura o não crescimento da despesa pública e há um mau modelo, a que chamei modelo redistributivo de regionalização política e que levaria sobretudo a mais burocracia, cargos políticos e mais despesa pública.