A vaga repetida de incêndios florestais contribuiu para “amenizar” a inflamada” troca de galhardetes“ entre governo e oposições, com o PS de Pedro Nuno Santos a fazer de “santo”  e a “diabolizar “ a coligação no poder, e, em particular, Luís Montenegro, como eventuais  responsáveis por  eleições gerais antecipadas.

O ”refrão” de Pedro Nuno não deve nada à criatividade. No fundo, trata-se de imputar ao governo uma atitude de irredutibilidade, por este ter as suas próprias convicções e não querer adoptar o programa do PS no Orçamento de Estado.

Este animado confronto, que prometia intensificar-se com a prestimosa ajuda de Marcelo Rebelo de Sousa (que fez logo constar que, em caso de “chumbo” do Orçamento, voltava a convocar eleições), foi bruscamente interrompido pela série de ignições, ocorridas no centro e norte do País, geradoras de incêndios florestais violentos, com farta cobertura televisiva, para alegria e afago de ego dos pirómanos, alguns apanhados em flagrante delito.

A devastação do património florestal não é de hoje, soma e segue há vários anos, com vítimas a lamentar, além da destruição de casas e a perda de outros bens, acompanhadas das habituais reflexões sábias sobre o reordenamento do território, abandono do interior e falta de limpeza dos terrenos, juntamente com as dúvidas  e  os erros na selecção de espécies na rearborização.

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Feito o diagnóstico, as oposições apressaram-se a criticar Luís Montenegro por este ter admitido mão criminosa, negligência ou ainda o “sobrevoo de interesses” na raiz de muitos incêndios, como se isto fosse novidade. E a ministra Margarida Blasco, por esta não ter dito nada, antes de ter alguma coisa para dizer, no rescaldo dos fogos.

É verdade que a ministra não foi feliz na sua monótona exposição, com o descritivo da “fita do tempo”, e mostrou-se também esquiva e pouco convincente nas respostas às perguntas dos jornalistas.

Mas errou quem a reprovou por não ter aparecido mais cedo. Vive-se agora uma espécie de febre mediática, que exige explicações cabais para qualquer ocorrência no minuto seguinte.

Neste contexto, andou mal Eduardo Cabrita, o ex-ministro e antecessor na pasta, ao perorar sobre o dispositivo operacional montado e, sobretudo, sobre a falta de prevenção que, no seu entender, “não foi uma prioridade nos últimos meses” para o governo.

Por uma questão de elementar ética e de bom senso, Cabrita deveria abster-se de intervir publicamente sobre matérias no âmbito do ministério que tutelou, e onde não deixou saudades. Mas não.

Cabrita teve, inclusive, o topete de invocar, com “grande orgulho” um ciclo de “seis anos sem uma vítima civil depois das tragédias de 2017” (o ano dos incêndios de Pedrógão Grande, onde morreram 64 pessoas, note-se), lamentando que este tenha sido interrompido. Não tem emenda.

Cabrita à parte, o certo é que Portugal voltou a arder quando menos se esperava, nas despedidas do verão. A intensidade dos incêndios florestais, as vítimas, a destruição de casas e haveres, as limitações dos bombeiros, tudo isto lembrou, de facto, o inferno de Pedrogão Grande.

As muitas ignições dispersas, algumas durante a noite, lançaram novamente o pânico e a suspeita de fogo posto.

A paranoia de alguns, a displicência de outros, as dificuldades dos investigadores no terreno para descobrir os autores e a frequente leveza das penas aplicadas pelos tribunais, explica melhor do que as apregoadas “alterações climáticas” – com costas largas -, a fatalidade cíclica, a justificar o aparato crescente (e o custo) dos meios mobilizados para combater os fogos florestais.

Este ano, exceptuada a Madeira, o cenário parecia ser optimista, com muito menos área ardida. Engano.

Subitamente, como se houvesse um ritual a cumprir e a desgraça precisasse de ser “aditivada”, multiplicaram-se os “teatros de operações”, enquanto as televisões se desdobravam entre os directos com repórteres no terreno e os “especialistas” em estúdio, debitando frequentes banalidades.

As sequelas dos incêndios de Pedrogão Grande, que deflagraram em plena vigência do poder socialista, ainda hoje se arrastam pelos tribunais, com indemnizações por cumprir.

Para além do Memorial às Vítimas, inaugurado em junho de 2023, ainda há quem espere pela reconstrução das habitações perdidas. E quem não tenha recuperado dos traumas psicológicos então sofridos.

O tempo não cura todas as feridas. Por vezes, agrava-as perante o manto de indiferença, que recai amiúde sobre os cenários de tragédia.

Convirá recordar, a propósito, que foi no fatídico ano dos incêndios de Pedrogão, que ardeu, também, grande parte do Pinhal de Leiria, devastando a importante mancha florestal plantada, a partir da beira-mar, entre os concelhos de Alcobaça, Marinha Grande, Leiria e Pombal.

Extinto o fogo, depressa se verificou que tinha apenas sobrado 14% da área de pinhal.

Claro que o governo socialista à época desdobrou-se em iniciativas mediáticas para convencer os incautos de que aquela mata nacional estaria em breve recuperada.

E logo em janeiro de 2018, o então primeiro ministro acorreu ao desolado Pinhal de Leiria – ou ao que restara dele -, e, em vez de um pinheiro, António Costa resolveu plantar um sobreiro, apostando na diversidade das espécies, em conformidade com a Estratégia de Recuperação do Pinhal do Rei.

E como uma faixa de sobreiros sobrevivera melhor ao fogo, considerou-se demonstrado que, afinal, a recuperação da mata nacional deveria envolver outras árvores além do pinheiro, comprovadamente mais resistentes às chamas.

Como tantas vezes acontece, a rearborização daquela mata nacional “evaporou-se” no espaço público.

O centenário Pinhal do Rei perdeu-se. Quase uma década volvida, a floresta que desapareceu em escassos dias demora a ser reposta.

Em janeiro deste ano, ficou a saber-se num trabalho do “Polígrafo” que estão rearborizados, segundo o ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas “4.834 hectares que representam 55% da área ardida “.

Ao contrário do fogo, avança-se devagar, embora para o ICNF a “reflorestação da Mata Nacional de Leiria não está atrasada “. Mas para quem conheceu de perto o Pinhal do Rei, que resistiu durante séculos à erosão do tempo, teme-se que nada seja como dantes.

Um outro desastre menos visível, embora cada vez mais palpável, minando a confiança dos cidadãos, é o que tolhe o funcionamento da Justiça, com o seu cortejo de julgamentos adiados e de prescrições em fila de espera.

Regressado de uma baixa clínica, o juiz Ivo Rosa fez saber que uma vez promovido a desembargador já não terá de reapreciar novamente, nem de pronunciar-se sobre o megaprocesso de José Sócrates, que ele instruiu, com as consequências conhecidas e o desfecho entretanto rejeitado por tribunal superior.

A recusa do juiz deverá agora ser apreciada em sede de Conselho Superior da Magistratura para onde transitou e, mais tarde, se conhecerá o douto parecer para este imbróglio jurídico, que entre recursos da defesa do ex-primeiro ministro e outros incidentes processuais, já dura há uma década sem fim à vista.

O esgotamento de prazos neste processo, como noutros muito mediáticos, aponta para a prescrição como uma forte probabilidade, uma vez que convergem no mesmo palco o fôlego financeiro dos arguidos – para pagar a bons advogados e as custas judiciais -, e a lentidão pegajosa dos tribunais, com pouca vontade de julgar casos complexos, semeados ainda de conflitos de competências.

Se restar alguma indignação, reservemo-la para a hipótese de, além de Ricardo Salgado ser considerado inimputável (por causa da doença de Alzheimer), se confirmar o não julgamento de José Sócrates.

Caso tal eventualidade aconteça, com a secretaria “a vencer” o tribunal, ninguém se surpreenda se Sócrates reaparecer pujante, reclamando-se inocente e alvo dos “atropelos” da Justiça, como tantas vezes se vitimizou.

Com boa vontade, poderá preparar o regresso a “comentador” político numa das televisões e candidatar-se mais adiante nas presidenciais, a sua ambição nunca desmentida.

Até lá, poderá, sem restrições, disfrutar do luxuoso apartamento em Paris, ou da hospitalidade e dos prefácios de Lula da Silva, enquanto finaliza o alegado doutoramento no Brasil.

Escrever isto poderá parecer uma fábula, no domínio da pura ficção. E, no entanto, já esteve mais longe…

Não fosse a exaustiva cobertura mediática dos incêndios florestais – que remeteu para segundo plano tudo aquilo que estivesse fora dessa órbita -, e outro teria sido o acolhimento das conclusões de um Barómetro especial sobre Corrupção, elaborado com base num estudo feito para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, revelador de que “a corrupção é um dos problemas mais graves do país e impacta diariamente na vida dos cidadãos”.

Em resumo: ficou a saber-se que nove em cada dez inquiridos consideram que a corrupção é um problema grave no País; e que um em cada dois inquiridos sente que a corrupção afecta diariamente a sua vida.

São dados pessimistas, muito acima da média europeia, que será desejável ter presentes, quando se olha para um País a sair assustado do flagelo dos incêndios, e quando a Justiça marca passo em processos importantes de forte repercussão na opinião pública.

É impossível, por isso, não valorizar indicadores que apontam, por exemplo, para os clubes de futebol, como mais expostos à corrupção, seguidos das várias instituições políticas: partidos, autarquias, governo e administração pública.

Mais complexa, porém irrefutável, é a percepção, apontada no relatório, de que o combate à corrupção é “ineficaz”.

De facto, mais de metade dos inquiridos (51,6%) consideram o combate à corrupção “nada eficaz”, atribuindo as responsabilidades, por ordem decrescente, ao poder político, sociedade civil e poder judicial, este confrontado com megaprocessos demasiado complexos e intermináveis; e, em segundo lugar, à possibilidade de os arguidos multiplicarem recursos, desde que respirem capacidade financeira.

Perante este estado de coisas o relatório assinala ainda que “o que a literatura nos diz é que as democracias bem-sucedidas apresentam níveis mais baixos de corrupção do que os regimes híbridos e em transição”.

Ou seja, meio século decorrido sobre o 25 de Abril, ainda não superámos um certo subdesenvolvimento cultural e cívico, que facilita a chamada corrupção paroquial, o favor e a “cunha”, ou o “puxar de cordelinhos”, uma instituição clientelar bem mais tolerada pelos portugueses.

Ou, como se lê no relatório, é “um tipo de corrupção que não recorre a uma troca ilícita, mas procura o favorecimento através de relações de proximidade, mobilizando recursos simbólicos como a amizade e outros laços primários (familiares, étnicos ou partidários), ainda que os favorecimentos que advêm dessa intervenção possam estar para lá do que é legalmente permitido”.

Sinal da benevolência dos inquiridos perante o favor ou a “cunha” recorta-se no facto de concordarem que, em Portugal, se quisermos subir na vida, é importante conhecer as pessoas certas e, em menor medida, porque “só se fazem bons negócios se tivermos ligações políticas”.

Este entendimento foi bem descodificado por Susana Coroado, uma das investigadoras responsáveis pelo estudo, para quem “a política tem um problema reputacional para resolver”.

Sabemos que o fenómeno não é de hoje nem é exclusivamente português. Mas tem vindo a agravar-se. Dão-se alvíssaras a quem saiba aproveitar os ensinamentos deste estudo, no poder ou na oposição, e aja em coerência, para que este País não se eternize à beira do pântano. Ou não se afunde nele.

Há fogos que se avistam à distância e outros que alastram sem se ver.

Nota em rodapé – Se alguém ainda tivesse dúvidas sobre orientação ideológica de Marta Temido – aplicada zelosamente no Serviço Nacional de Saúde, cujos resultados estão à vista -, deve ter ficado agora esclarecido, ao saber que a eurodeputada, cabeça de lista do PS, votou contra a resolução aprovada no Parlamento Europeu, que reconheceu Edmundo González Urrutia como presidente legítimo e democraticamente eleito da Venezuela.

Pelo contrário, Francisco Assis, confessou nem ter hesitado, tendo votado a favor da resolução “por respeito pelos milhões perseguidos por um regime autocrático” e por ser essa “uma questão moral antes da questão política”.

Algo que Marta Temido, juntamente com Ana Catarina Mendes e Bruno Gonçalves estão longe de perceber…