De pintainho a franganote, de frango a galo, largas vicissitudes se passam. Inclusive, pelas mais diversas razões, muitos acabam por nunca poder levantar a crista.
Desde a celebração heráldica do bípede animal, até aos epítetos menos prazenteiros, o galo vai daí a galarote, galarucho, galisco, galaró ou garnisé. Alguns nomes soam a rei da capoeira e outros a bicho no tacho. Aliás, há os que, depois de chegarem ao cume do poleiro, são cozidos em lume brando.
Ao longo dos anos, já perdemos a conta a quantos frangos de aviário e galos encartados se acotovelam para molhar o bico, pouco ficando para o resto da capoeira.
No sábado, comentava uma mãe galinha para outra, com os pintainhos à míngua, que “eles comem tudo, eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada”. Era uma galinha canhota, melhor dizendo, com tendência para pôr a pata da esquerda na poça, com mais facilidade. Uma galinha esquerdina, portanto. Com tristeza, e à boca pequena, cacarejava: “Então e não é que estes nossos galarós disseram uma coisa e fizeram outra?”. E a comadre galinácea, na sua voz esganiçada, retorquia: “Estás a falar daqueles galos ali à esquerda da tua pata esquerda?”. “Sim, sim.”, dizia a primeira – toda contente por ter encontrado um grãozinho na asa – “Prometeram tomar conta do galinheiro e agora passam o tempo a apanhar sol na eira, a comer minhocas, quando chove no nabal, e a galar pitas. Ainda por cima, dizem-nos para pôr os ovos todos no mesmo cesto – o deles!”.
Entretanto, os galos, pousados em cima do extenso poleiro, olhavam para baixo, com algum desdém. “Olha, olha”, dizia o galarucho para o garnisé. “Então já viste aquelas aves raras?”
“Quais, quais?”, perguntava o galaró. “Aquelas ali, meio depenadas”. Dizia o garnisé.
“Ah! Já vi. As que andavam a pedir aumento de ração e a dizer que a comer assim não podem pôr ovos?”, inquiria o galaró. “Essas mesmo!” Confirmava o galarucho.
O galisco, meteu-se na conversa: “Promete-lhes scapoeiras novas, com palhinha fresca e ração da boa”, sugeriu.
O garnisé, que era, ainda, meio frango, estava há pouco tempo no poleiro. E foi com alguma candura juvenil que perguntou: ”Então e podemos fazer capoeiras novas?”.
O galo alfa minguado, que tinha os olhos postos no longínquo horizonte, enquanto sonhava com couves de Bruxelas, lentamente virou o pescoço. Olhou, com muita seriedade, para o garnisé, e, na sua voz bem modulada, disse: “Claro que lhes vamos dar capoeiras novas. Nós cumprimos as nossas promessas.”
O garnisé ficou entusiasmado. “E quando vai sei isso? Cócórócó! Quando vai?”.
Pausadamente, em tom grave, o galo alfa minguado, respondeu: “Quando as galinhas tiverem dentes”.
Durante um curto instante, os aviformes olharam, uns para os outros, em silêncio. Depois, quase em simultâneo, desataram, cheios de vontade de rir, a cantar de alto, que é o que os galos de poleiro sabem fazer.
Entretanto, o novo galo alfa aumentado, meio rouco, de tanto cócóricócar, de lés a lés, disse: “Doem-me as penas das costas”. O alfa diminuído, mostrando um ar que, à primeira vista, parecia de preocupação, perguntou: ”Então, ainda agora começaste a cantar de alto e já te doem as penas das costas?”. O alfa aumentado respondeu:”É esta mochila, com três mil milhões de grãos, que continuarei a carregar ao longo da minha vida.” O alfa diminuído, que estava mais pequenino que há um tempo atrás, mas ainda mexia, disse: “Coitadinho! Tenho tanta pena de ti!”. E juntaram-se logo, em coro, galarós, galarunhos, galiscos e garnisés, que, em imponente cacarejar, diziam:”Glória ao galo aumentado, nos aviões e nas alturas, e pás na terra das minhocas e dos galináceos, por ele amados!”
O alfa diminuído, paternal, explicou ao alfa aumentado: “Quando queres, até as vacas voam.”
O alfa aumentado, que estava inquieto, ao ver as galinhas e os pintos a dirigirem-se para o laranjal, suspirou: “O que vale é que as vozes daquelas galinhas e pintos burros não chegam ao céu!”
O alfa diminuído, acrescentou: “os animais são todos iguais, mas uns são mais iguais do que os outros.”
O alfa aumentado, olhou à volta, sem se fixar em ninguém, e, levantando a sua crista bem vermelha, suspirou, e, repetiu:” Ah! Esta mochila, que continuarei a carregar ao longo da minha vida.” E, com ela às costas, levantou voo, logo se estatelando, perto da pocilga.
As galinhas, viram o sofrimento do garboso animal, e em uníssono, sem saber bem o que lhe chamar, disseram: “Grande…grande… … galo!”
E comentou a mãe galinha para a comadre: ”Com aquela penugem toda, parece mesmo um galo banquete, banqueva, ou sei lá como se diz!”
“Um quê?”
PS: “Galos banquiva – alimentam-se de grãos, frutos, folhas, minhocas, pétalas, e brotos de plantas cultivadas, como o arroz, o milho e o feijão. Em certas regiões, onde existem minas de pedras preciosas, foram encontrados rubis e esmeraldas, no papo de galos banquiva.”