Recordava-me recentemente, de uma conversa de embalar, aquelas conversas que os pais têm com os filhos quando os deitamos. Lembro-me que explicava ao meu filho mais velho (na altura devia ter 4/5 anos) o conceito de super-herói. Explicava-lhe que os super-heróis também andaram na escola, e que foi lá que eles aprenderam a ser heróis. Disse-lhe que era importante estar sempre pronto a ajudar quem precisasse, a brincar com quem estivesse sozinho, e sair sempre em defesa dos mais fracos. Dizia-lhe que o mais importante era ser bondoso. A conversa correu bem e ele até acabou por adormecer.

Num dos seguintes dias, esta conversa veio à baila. Estava um pouco incomodado com o estatuto de super-herói. Dizia que tentou e que até ia continuar a tentar, mas havia uma coleguinha da sala, que por muito que ele a tentasse ajudar, não conseguia cumprir as tarefas que lhe eram assignadas pela professora, e que ele até nem foi ao recreio um dia para a ajudar, e por fim perguntou-me se se podia ficar pelas lutas com os mais fortes e se podia ter uma máscara como a do “Baqueman”. Disse-lhe que nem tudo se resolve à pancada, embora nessas idades por vezes tivesse de o fazer, e disse-lhe também que nem todos os heróis usam máscara…e que ele seria sempre um herói se o quisesse ser.

E hoje, mais que nunca, precisamos de super-heróis.

Heróis cujo poder mais importante seja a bondade. Quase todos lemos o Principezinho de Saint- Exupéry, e encontramos no seu modelo, o super-herói moderno. O rapaz de valores, que tem na sua forma de estar o seu maior poder.

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Ao longo dos nossos tempos, alguns desses heróis ou heroínas até fizeram ou fazem parte das nossas histórias. São pessoas que com a sua bondade se tornam apaixonantes, são pessoas que com a sua forma de estar para com os outros são de um magnetismo brutal. São essas pessoas que nos tornam melhores, simplesmente porque fazem parte da nossa vida ou simplesmente por que se cruzaram connosco. Por vezes, nem elas sabem qual a importância que têm para quem as rodeia.

O Principezinho transmite com simplicidade que a pureza e bondade fazem sempre sentido.

Existem livros para todos os gostos. De ficção para se imaginar, de amor para nos fazer sonhar, de gestão para se ter sucesso, de história para conhecer o passado, de artistas para se ver arte, mas com este livro simplesmente conhecemos a bondade.

O sucesso para mim é ser como o Principezinho. E… o Principezinho é um super-herói.

Seria deveras importante que os nossos políticos lessem o Principezinho, procurassem nas descrições de Saint-Exupéry modelos onde se inspirassem.

Nos dias de hoje, focamo-nos no sucesso com base em perspetivas materiais. Ter um bom desempenho académico, ter um curso universitário, ter uma profissão onde a remuneração conta mais que a vocação, ter boas prestações profissionais para poder ter uma casa em Lisboa e outra na Comporta, ter um Mercedes na garagem e um BMW na entrada, conhecer os melhores restaurantes e todos os locais da moda. E esquecemo-nos do próximo. Esquecemo-nos que o sucesso devia fazer sentido quando percebemos que o terraço da Basílica da Estrela pode ter mais significado do que a viagem às Maldivas. Que a esplanada do jardim é mais intensa que o rooftop da moda.

Cada vez vejo menos interesse dos políticos portugueses em preparar os nossos filhos para serem simplesmente boas pessoas, bons cidadãos do seu país.

Mia Couto escreveu uma vez que a maior desgraça de um país pobre é que, em vez de produzir riqueza, vai produzindo ricos e acrescentava ainda que, outro problema das nações pobres é que em vez de produzirem conhecimento, produzem doutores. Dizia ainda que temos de ter políticos que remem contra essa corrente.

É preciso voltar a acreditar que vale a pena ser honesto. É urgente termos histórias onde o vencedor não é o mais poderoso. Temos de ver como vencedor não o mais arrogante, mas sim o mais tolerante, aquele que consegue escutar todos os outros. Temos de ter histórias em que o herói não é o lambe-botas, nem o chico-esperto.

Vivemos tempos de valores errados. Do ter e não do ser. Onde não se comprometem com uma causa, não são fieis ao que sentem, nem arriscam defender aquilo em que acreditam.

Não é de estranhar, por tudo isto a fraca classe politica que hoje conhecemos e que cria cada vez mais um fosso, através da abstenção, entre eleitos e eleitores.

É necessário devolver aos portugueses a esperança de um futuro melhor. É necessário voltar a acreditar que é possível fazermos diferente. É necessário ter a vontade de mudar sem ter medo.

Estamos nestes últimos 8 anos muito mais pobres. Estes últimos 2 governos cavalgaram uma onda onde o ilusório é muito mais real que o presente. Nunca se pagaram tantos impostos e nunca fomos tão mal servidos. A educação está o caos. A saúde uma confusão. A habitação continua a faltar. A justiça tarda e por vezes falha. Faltam soluções estruturais.

Passaram 8 anos e não me recordo de nenhuma bandeira destes últimos governos. Sá Carneiro devolveu a esperança aos portugueses. Cavaco Silva reduziu assimetrias e mostrou que podíamos fazer diferente. António Guterres teve a paixão pela educação. Pedro Passos Coelho devolveu a independência a Portugal cumprindo um rigoroso programa de austeridade. Já António Costa tomou o poder não com um projecto por Portugal, mas numa coligação negativa e conseguiu uma maioria que vai ficar na história pela marca que não deixa.