Em democracia, o voto é a voz do povo; e a eleição, porventura, o mais nobre e mais livre de todos os momentos. O momento em que devemos estar lúcidos, apartados do hálito anestesiante do populismo e dos holofotes da parateatralidade, mas antes conscientes e disponíveis para fazer escolhas.
Apesar das eleições presidenciais do próximo mês de Janeiro se realizarem num cenário atípico de convulsão social, pessoal e económica, resultante da pandemia, urge que a decisão no sufrágio presidencial seja a “soma do quadrado dos catetos”, e não apenas uma soma simples, uma vez que a crise que nos traspassa é bicuda, e a hipotenusa pandémica é longa.
Como chefe máximo de um Estado de Direito, as funções do Presidente da República aproximam-se constitucionalmente de um poder moderador (nomeadamente os seus poderes de controlo ou negativos, como o veto, por exemplo); embora disponha também de competências de direção política, nomeadamente no caso de crise política, em tempos de estado de excepção, como o actual, ou em matérias de defesa e relações internacionais.
Marcelo Rebelo de Sousa falhou em muitas destas competências. Tornou dúbia a função presidencial. Banalizou-a e ridicularizou-a.
A título de resenha cronológica, elencam-se facilmente as suas falhas capitais em poucas linhas.
1 Desrespeito institucional – enquanto mais alto representante da Nação, Marcelo Rebelo de Sousa vulgarizou a sua presença, não se poupando a selfies e exposições públicas impróprias para um cargo que exige discrição, parcimónia, distanciamento e respeitabilidade, por representar distinção, mérito e sobriedade.
2 Vaidade – constantemente focado na sua popularidade, autocentrado e sob o pretexto de ser o “Presidente dos afetos” procurou, acima de tudo, parecer “boa pessoa” aos olhos dos Portugueses. Relegou para segundo plano a sua missão de servir, que deveria sobrepor-se à preocupação com a própria imagem, em nome do povo e do interesse nacional. Movido por ímpetos narcísicos, não resistiu, por isso, em visitar o bairro da Jamaica, no contexto da ocorrência de uma polémica envolvendo as forças de autoridade, oferecendo palco e visibilidade a quem oferece risco às populações, parecendo desprezar quem as protege. E numa clara “trapalhada” e imprudência, “condecorou” com “nota de heroísmo” e visibilidade na comunicação social um sem-abrigo, por algo que viria a perceber-se não ser da sua autoria.
3 Verbosidade – Num esforço evidente de se demarcar dos seus antecessores, Marcelo demitiu-se do dever de recato e contenção nas palavras, garantiu o que não podia garantir, falou e comentou demais e inoportunamente, ultrapassando a sua competência. E, tal como José Miguel Júdice proferiu, “homem com uma constante diarreia verbal”.
4 Fraqueza – numa altura em que o pânico dominava parte da população portuguesa, face ao desconhecido coronavírus, e quando os Portugueses mais precisavam de um Presidente corajoso, audaz, livre e presente em contexto de quarentena, assistimos a um Presidente temeroso, em isolamento “hipocondríaco”, remetido ao silêncio, atestando um carácter pouco resiliente e desencorajador.
5 Tibieza – atormentado com o politicamente correcto, Marcelo Rebelo de Sousa não se posicionou de forma concreta e assertiva em relação aos temas estruturantes (conhecidos como “fracturantes”). Não foi contundente com a questão da eutanásia; foi conivente com as medidas promotoras da ideologia de género nas escolas e aprovou, em silêncio, a resolução da Assembleia da República, com “recomendações” para garantir o financiamento de associações LGBT, aproveitando os espasmos sociais em tempo de pandemia. Desiludiu e traiu todos os cristãos que nele votaram, por acreditarem que defenderia de forma leal e tenaz os valores solenes, que tantos votos lhe valeram na primeira candidatura, ao posicionar-se como candidato assumidamente cristão.
6 Inércia – tal como estimula ininterruptamente o ânimo dos Portugueses, também deveria ter estimulado as reformas do Governo durante o seu mandato, em vez de anuir à gestão da conjuntura, baseada na estagnação e “estabilidade”, que serviu de travão às mudanças urgentes de que o país necessita. Para Marcelo, estagnação é sinónimo de estabilidade, a mãe do consenso, que tanto lhe interessa como recandidato. Como bem referiu Henrique Neto, “Marcelo nunca contribuiu para que os problemas do país se resolvessem“.
7 Apego – apesar de ser um candidato natural do centro-direita e perspectivando “agradar a gregos e a troianos”, não faltaram constantes e lascivos “piscares de olho” à esquerda, à qual sempre desejou agradar para capitalizar simpatias, ansiando o contributo que lhe garantisse continuar grudado ao cargo presidencial. Por exemplo, em relação à pandemia, aceitou os “desafios” políticos moralmente ilegítimos do PCP, acalentou as decisões governamentais e mostrou-se complacente com as decisões da DGS, cujas determinações se têm apresentado mais como fretes ao Governo socialista, do que fundamentadas em conceitos de ordem técnica e científica.
8 Cumplicidade governamental – qual ministro da propaganda ao serviço do Governo, limitou-se a emitir recados crípticos ou insossos, sempre visando reforçar a sua popularidade. Muleta do Governo, subserviente e acérrimo apoiante de quase todas as políticas do Executivo, mesmo em situação de dúbia competência e legalidade, priorizando o “consenso” e não a Nação. Como Presidente, deveria reconhecer que são as mudanças e os desígnios nacionais que mobilizam um país e que alentam o espírito de um povo.
9 Obscurantismo – geriu de forma desastrosa episódios graves ocorridos nas esferas social e política, como nos casos de Tancos e Pedrógão Grande. Foi ambíguo. Compactuou silenciosamente com o “desgoverno” e permitiu que se instalasse um sentimento de desconfiança em relação aos órgãos de governação, Administração Interna, Forças de Segurança e Forças Armadas. Foi cúmplice de António Costa na substituição da Procuradora-Geral da República, do Governador de Banco de Portugal e do Presidente do Tribunal de Contas, com nomeações de duvidosa imparcialidade, para lugares que se pretendem independentes.
10 Incoerência – demonstrou que a sua conduta não é fiel àquilo em que diz acreditar. Em 2014, no seu espaço de opinião da TVI, referiu: «Dez anos, para um Presidente, é demais. (…) Deixo essa sugestão para os futuros candidatos presidenciais…, assumam o compromisso de serem [Presidente] só por um mandato». A sua recandidatura é um claro exemplo de manifesta contradição consigo próprio, levando a crer que o interesse pessoal se sobrepõe ao interesse nacional.
Marcelo Rebelo de Sousa patenteou-se com caráter anémico, enrodilhado em si mesmo, rei das banalidades consensuais, inversamente proporcional ao ego que o governa, que o torna pungente e uma espécie de influencer político macro-social, escravo do apreço transversal nutrido pelos seus “seguidores”, norteando toda a sua acção presidencial em torno dos índices de aprovação da sua plebe, em detrimento do necessário e do essencial. Para Marcelo, o mais importante é o conforto, a demanda do estado reconfortado e o sentimento de pertença. Tal como outrora adoraram visceralmente o Zé Maria, também Marcelo é alvo desta idolatria nacional, qual Presidential Big Brother que arrebata emoções. É a genealogia dos ícones deste reality show nacional, com tiques presidenciais. Este é o Presidente que transformou a presidência numa barraca da feira popular e que diz aos clientes para votarem noutro Governo quando lhe são pedidas responsabilidades e explicações, numa atitude frouxa e cobarde.
A autoridade de Marcelo ter-lhe-ia permitido erguer uma barreira entre a política e a má conduta governamental, contudo optou por desenvolver uma gestão presidencial baseada em sorrisos, braçadas, insinuações, recados à porta fechada e ameaças de exigências e de apuramentos.
Homem que se curvou aos caprichos governamentais, que anulou o cargo presidencial e que encarnou com veleidade a personagem do causador do irremediável desmerecimento da figura máxima do Estado. Marcelo Rebelo de Sousa decidiu recandidatar-se a um cargo, cuja dignidade ele próprio dizimou.
Não merece o nosso crédito, a nossa crença, o nosso voto!
Os Portugueses mereciam outro Presidente.