O mundo está a viver uma pandemia sem precedentes provocada pelo covid-19 que está a causar sofrimento e a semear a morte em diversos países. Subitamente, e sem que ninguém fosse capaz de prever, o nosso mundo desabou. A nossa segurança foi posta em causa, a economia entrou numa crise profunda, e o futuro tornou-se incerto.
Vários governos tomaram decisões políticas de saúde publica urgentes. De modo a preservar a nossa saúde física e evitar a propagação da doença, foi decretado o isolamento social. Por conseguinte, quanto mais tempo estivermos nessa condição, menor será a probabilidade de o vírus contaminar a população. Por outro lado, quanto mais tempo estivermos isolados maiores serão os riscos de sofrermos de doença psiquiátrica. Vale a pena por isso fazer uma breve reflexão.
O convívio social é uma necessidade humana, e o isolamento compulsivo acaba por se tornar perturbador para o nosso equilíbrio mental. Com o passar do tempo, há sérios riscos de surgir um fenómeno desadaptativo com várias manifestações psicopatológicas, tais como: ansiedade, ataques de pânico, alterações do humor, comportamentos agressivos, insónia, pensamentos suicidas, etc.
Afinal, durante quanto tempo é possível manter milhões de pessoas privadas de contacto social sem lhes causar danos mentais? Não sabemos. Haverá alguns que suportarão melhor, enquanto outros irão sofrer consequências, através do aparecimento de doenças psiquiátricas. Obviamente que as novas tecnologias de comunicação podem mitigar o isolamento e devem ser utilizadas para minimizar os efeitos nefastos do isolamento social compulsivo, mas nalguns casos não será suficiente.
O confinamento prolongado de pessoas no seu domicílio, ainda que sejam familiares, devido ao stress e à tensão psicológica, pode aumentar o número de conflitos interpessoais, crises conjugais e, em determinados casos, o risco de violência doméstica.
A saúde mental das nossas crianças, adolescentes e jovens também pode ser afetada. Isto terá reflexos negativos na vida escolar, podendo ocorrer uma quebra nas capacidades de aprendizagem e no rendimento académico. Desenganem-se aqueles que, após o regresso dos alunos à escola, julgam que tudo vai ficar exatamente igual como estava anteriormente, pois irão surgir dificuldades que terão de ser avaliadas caso a caso.
Uma parte da mão de obra do sector produtivo, após o regresso à atividade laboral, poderá ficar atingida e condicionada. Algumas pessoas serão assoladas por sentimentos de insegurança, falta de esperança no futuro, e dificuldades cognitivas decorrentes da perda de saúde mental que levarão a uma quebra de rendimento no trabalho. Tudo se pode complicar ainda mais se houver um aumento significativo de patologias psiquiátricas na população, já que também haverá um aumento do absentismo laboral devido a este tipo de doenças. É preciso não esquecer que, na maioria dos casos, a recuperação das doenças psiquiátricas (por exemplo, das perturbações depressivas) é demorada, podendo levar vários meses.
Mas não é apenas o isolamento o único fator de risco para o aparecimento de doenças psiquiátricas. Existem ainda dois grupos que estão em particular risco. O primeiro grupo é heterogéneo, sendo constituído pelos vários profissionais de saúde que estão a trabalhar incansavelmente nos hospitais e centros de saúde (médicos, enfermeiros, técnicos, farmacêuticos, administrativos, etc.), bem como todos os outros profissionais que garantem uma série de serviços essenciais à população. Refiro-me aos governantes diretamente envolvidos na gestão da crise, às forças de segurança, aos trabalhadores dos supermercados e da área da distribuição, aos jornalistas, etc. Os riscos de burnout são evidentes.
O segundo grupo corresponde à população prisional, pois há riscos de segurança que devem ser considerados. As visitas de familiares são essenciais para o equilíbrio emocional dos reclusos. Pode-se privar as visitas durante algum tempo, mas se houver um prolongamento excessivo dessa limitação vai ocorrer um incremento da tensão psicológica nas cadeias, aumentando o risco de violência e de distúrbios que podem ser difíceis de controlar pelas autoridades. Neste segundo grupo também se incluem os idosos que permanecem nos lares ou nas suas residências, bem como os doentes internados nos hospitais que ficam deste modo isolados, sem visitas dos familiares; portanto, em maior risco de sofrerem de depressão.
Ninguém sabe qual será o impacto em termos psiquiátricos deste isolamento social forçado de milhões de pessoas em todo o mundo, mas terá certamente consequências negativas na saúde psíquica em todos os escalões etários. Por este motivo, o confinamento social não pode durar demasiado tempo. Logo que seja possível, as medidas de isolamento social devem ser levantadas de forma prudente, responsável e progressiva. Como psiquiatra, sinto-me obrigado a fazer este apelo ponderado, pois também é preciso proteger a saúde mental da população, evitando-se criar uma outra pandemia: a eclosão de doenças psiquiátricas na sociedade.