O governo aprovou um conjunto de regras restritivas em alguns concelhos do país, numa tentativa de travar a pandemia. Tratam-se de medidas de saúde pública, porventura necessárias, mas não isentas de riscos, pois as pessoas estão cansadas de ouvir falar em «isolamento». Escrevi aqui há algum tempo que havia o perigo de outra pandemia: a eclosão de doenças psiquiátricas. Infelizmente, os dados apontam cada vez mais nesse sentido.

Os resultados preliminares de um estudo (ainda não publicado) em que participo, realizado recentemente no nosso país, com 458 indivíduos adultos em plena atividade laboral, revelam que 12% consumiram antidepressivos e ansiolíticos no último mês. Através de uma escala de avaliação verificámos que 28% apresentavam níveis patológicos de sintomas depressivos e 49% níveis patológicos de ansiedade.

Estes dados são preocupantes e revelam o que se está a passar na nossa sociedade em termos de saúde mental. Uma grande parte das pessoas encontra-se tensa, ansiosa, deprimida e preocupada com o futuro. E existem razões para essa preocupação, pois as moratórias de crédito que estão a ajudar financeiramente milhares de famílias e empresas vão acabar e o desemprego irá subir. Além disso, a pandemia não mostra sinais de abrandar e tudo leva a crer que as doenças psiquiátricas irão continuar a aumentar.

As restrições à liberdade das pessoas e as medidas de confinamento também podem causar danos à saúde psíquica e têm que ser muito bem explicadas e justificadas. Ninguém aceita prescindir da sua liberdade se não estiver em causa um bem importante.  Não se deve infantilizar a sociedade, tratando os cidadãos como sendo criaturas débeis ao mesmo tempo que se tomam decisões políticas de saúde pública, por vezes difíceis de compreender.

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As incoerências de algumas medidas governamentais têm-se avolumado nos últimos tempos. Autorizam-se reuniões para festejos políticos, mas proíbem-se reuniões nas celebrações religiosas. Pode-se assistir à F1, mas ao futebol não. Afinal, quais os critérios científicos que levaram o governo a encerrar os mercados e as feiras ao ar livre e mantiveram abertos os centros comerciais? Os aglomerados de pessoas são todos iguais, mas parece que há uns mais iguais do que outros. São muitas as contradições e a população fica com a sensação que já não há apenas incoerência política, mas começa a suspeitar que reina a confusão. Por isso, já se começa a ouvir o afiar dos machados para a rebelião e os gritos de alguns indivíduos que vociferam num tom de desafio «não quero saber».

Não faço obviamente um apelo à insurreição popular. Mas lanço um alerta ao governo e às autoridades: nas circunstâncias atuais de stress e de deterioração da saúde mental, o negacionismo da pandemia vai seguramente aumentar e os riscos de desobediência civil são elevados. Perante este fenómeno de saturação, não há grande margem para medidas injustificadas ou incoerentes. O Estado não pode perder a autoridade moral. Aquilo que impede um governo de degenerar em tirania é a condição moral de quem o detém.  É um erro pedirem-se sacrifícios a uns deixando outros em situação privilegiada, sob pena de se lançar fogo a um rastilho que vai incendiar uma população stressada, atenta às injustiças, e prestes a explodir.

Na conjuntura atual, existem sérios riscos de caminharmos para um «enlouquecimento coletivo». Existe um cansaço e um desespero que se vai acumulando nas pessoas. Por outro lado, muitos médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde, que estão a trabalhar nos hospitais e centros de saúde, encontram-se há muito tempo numa situação de stress prolongado. Basta ir ao terreno para comprovar a exaustão física e psíquica que se vive atualmente nas unidades de saúde.

Não há outra forma de vencermos esta pandemia do que confiarmos na ciência, nos médicos e em quem nos governa. Por isso, a comunicação do governo tem de ser repensada e claramente melhorada. A generalização da ansiedade e do medo pode asfixiar a atividade económica que precisa de continuar a recuperar. Por conseguinte, não se deve fomentar o medo, mas a confiança com mensagens claras. Os doentes não podem voltar a ter receio de ir aos hospitais tratar as outras doenças, como aconteceu no primeiro confinamento, pois isto causa um aumento da mortalidade.

Importa não menosprezar, nem esquecer a saúde mental da população. Precisamos de líderes que, perante este oceano de incertezas, nos possam transmitir esperança. Na verdade, a esperança é o único remédio que nos pode curar deste enlouquecimento coletivo.