A nacionalização das eleições europeias passou da campanha eleitoral para o rescaldo da noite eleitoral. Em momento algum os candidatos falaram dos resultados dos seus partidos europeus e dos desafios que a nova configuração do Parlamento Europeu impõe a cada uma das forças políticas. O mais interessante é que isto acontece quando os resultados em Portugal são, em muitos aspetos, antagónicos aos resultados a nível europeu.

O PS reclamou vitória quando o seu partido europeu perdeu as eleições e viu reduzir a sua representação de 25% para 20%. O BE, que também reclamou vitória, viu o seu Partido da Esquerda Unitária perder um quarto dos seus mandatos. PSD e CDS assumiram a derrota quando o seu partido europeu ganhou as eleições, embora reduzindo de 29% para 24% o seu peso no PE. Ainda assim, PSD e CDS têm em Portugal um peso superior ao do PPE no PE. Ninguém reclamou em Portugal o crescimento significativo dos liberais e o crescimento moderado dos nacionalistas, que em Portugal não têm expressão. Nesta confusão, o PAN, embora não seja um partido verdadeiramente ecologista, é o único que se pode dizer vencedor simultaneamente nos dois tabuleiros.

O alheamento dos debates ao nível europeu mostra que os portugueses não se importam que o PE decida por si as questões de enorme relevância que vão ter impacto nas suas vidas. Desde que não nos apliquem sanções, está tudo bem. Mas vale a pena tentar perceber que ventos são estes que sopram da Europa.

A nova configuração do PE é extremamente interessante e desafiante, sendo difícil fazer uma classificação de algumas forças em termos de direita e esquerda. Também é difícil tirar uma ilação sobre tendências políticas europeias, quando a votação resulta de uma soma de 28 votações que partem de uma realidade muito concreta. Em todo o caso, analisando os resultados de uma forma distante, consegue perceber-se que a realidade mudou e que Portugal ainda não acompanhou essa mudança.

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Em primeiro lugar, a dispersão eleitoral é um sinal de que os cidadãos europeus querem ver renovado o debate político e querem novas abordagens. Esta realidade obriga a encontrar soluções que não estão agregadas de forma linear entre esquerda e direita. Na Europa, qualquer acordo terá que passar pelos três maiores partidos, juntando desta forma o PPE, socialistas e liberais, ou, em alternativa, soluções de compromisso ainda mais complexas. Em Portugal, no entanto, os dois principais partidos continuam a ter mais de 2/3 dos mandatos. Por quanto tempo, não sabemos.

Em segundo lugar, da composição do PE resulta que os europeus fizeram um voto de confiança claro no projeto europeu, mas rejeitam um aprofundamento da União Europeia decidida de forma burocrática em Bruxelas. Em Portugal, os dois principais partidos propõem o aprofundamento da união sem reservas. Talvez isto explique a nacionalização das eleições europeias.

Em terceiro lugar, existem alguns sinais de preocupação de aumento do extremismo de direita, nomeadamente em França e Itália. Mas à esquerda o extremismo está controlado, não conseguindo o Grupo da Esquerda Unitária ir além de 5% dos mandatos. Em Portugal, porém, obteve 19% dos mandatos. Quando os eleitores se decidirem a ler as propostas do Bloco de Esquerda talvez o sentido de voto mude radicalmente.

Portugal parece, pois, estar em contraciclo com a Europa. Podemos perguntar-nos se essa circunstância específica será resultado do mérito singular e atípico do Partido Socialista português. Só que, em 25 anos (de 1995 a 2019) de governação quase contínua do PS, Portugal, a par da Grécia, é o único país que não convergiu com a Europa. Com dados objetivos tão negativos, não restam dúvidas que à direita portuguesa tem faltado o sopro continental. Na verdade, a direita moderada não tem conseguido explicar a sua proposta de valor de forma consistente e tem deixado espaço à esquerda para causas que seriam naturalmente suas.

É necessário explicar que a questão ambiental está ligada a uma preocupação de sustentabilidade de longo prazo. A sustentabilidade tem de ser promovida de forma integral, abrangendo as questões ambientais, sociais e financeiras. Tem de ser possível explicar que o capitalismo não é inimigo do ambiente; antes pelo contrário é a forma mais eficiente de acelerar a mudança que se pretende. Ora, a visão de longo prazo nunca foi uma característica da esquerda.

A mensagem política da direita moderada tem de conseguir demonstrar que menor intervenção do Estado na economia não impede o desenvolvimento do Estado Social. Antes pelo contrário, o Estado Social só existe verdadeiramente numa sociedade que gera riqueza através da iniciativa privada e do empreendedorismo. Não se trata de uma guerra entre público e privado. A complementaridade deu boas provas no passado, nomeadamente na área da saúde. Mudar de caminho só pode dar mau resultado.

É preciso explicar que o combate pela redução de impostos não significa menos preocupação social. É precisamente o inverso: um Estado menos pesado contribui para uma sociedade mais justa. O caminho de crescimento contínuo do Estado, ainda por cima com degradação dos serviços públicos, tem de ser invertido. E é possível fazer as duas coisas em simultâneo.

Por fim, é essencial introduzir no debate um pacote de medidas de promoção da transparência, de combate à corrupção e de melhoria da justiça no seu todo.  Este é um tema que é transversal a todos os partidos. Aliás, há 10 anos atrás, Sócrates anunciava medidas de combate à corrupção, tendo alcançado os resultados que se conhecem. A direita moderada deve mostrar que, neste campo, é mais determinada e que as medidas que propõe são as mais eficazes para moralizar a sociedade. Uma sociedade que não sanciona os que a atacam é uma sociedade em decadência.

Enfim, os ventos que sopram da Europa são ventos bons. Só é necessário tirar partido deles.