Em Portugal e um pouco pela Europa, parece que o único perigo extremista em França é a Unidade Nacional de Marine Le Pen. A Frente de Esquerda é vista como a nova versão da aliança para salvar a República. Os franceses são os únicos que discordam desta leitura das eleições em França.

A maioria dos franceses, cerca de 60%, considera a frente de esquerda uma aliança radical e extremista. É, aliás, uma coligação negativa. Só se juntou para tentar evitar a vitória do partido de Le Pen. No resto, estão divididos em quase tudo. Nem sequer conseguiram chegar a acordo sobre um candidato a PM. A França Insubmissa de Melenchon, um partido de extrema esquerda, domina a Frente de Esquerda, e terá a maioria dos deputados. Por isso, Melenchon afirma que caberá ao seu partido escolher o PM no caso da Frente de Esquerda vencer as eleições. O mais provável seria o partido escolher o próprio Melenchon, apesar da ambiguidade em relação à escolha durante a campanha.

Melenchon deve ser o político mais detestado em França. O partido socialista francês acusou Melenchon de tudo e mais alguma coisa durante a campanha para as eleições europeias. E não o querem como PM. A posição dos comunistas e dos verdes, igualmente partidos extremistas, também é ambígua, mas o mais provável seria aceitarem a escolha de Melenchon.

A França Insubmissa é mesmo contra a União Europeia, apoia a Rússia na guerra da Ucrânia e, acima de tudo, é uma força anti-capitalista, contra a economia de mercado. Defendem a nacionalização de bancos, de empresas de energia, de telecomunicação, de transportes e de comunicação social. É um partido verdadeiramente revolucionário. Aliás, Melenchon prefere perder as eleições e continuar a liderar uma frente revolucionária, do que ir para o poder sem condições de fazer a revolução. Para a França Insubmissa, a política faz-se em protestos nas ruas e não nas instituições democráticas. A França Insubmissa fez ainda uma aliança com os grupos radicais islâmicos, o que faz dela provavelmente a força política mais anti-semita que existe hoje na Europa (juntamente com a extrema direita alemã, o AfD). Uma vitória da Frente de Esquerda fará da França um país ingovernável e levará em meses o país à falência.

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No caso da Unidade Nacional, é óbvio que o partido tem origens na direita radical, o que em França significa mesmo radical. Se formar governo também poderá provocar uma crise financeira em França e na Europa. Entrará seguramente em conflitos com Bruxelas e, sobretudo, com Berlim (o partido de Le Pen é muito mais anti-alemão do que anti-europeu). Mas há duas diferenças enormes e decisivas entre a França Insubmissa e o resto da extrema esquerda, e a Unidade Nacional.

Em primeiro lugar a percepção dos Franceses. Enquanto a maioria dos franceses considera a França Insubmissa um partido radical, a sua opinião em relação ao partido de Le Pen mudou. Cerca de 70% do eleitorado dos Republicanos (centro-direita) não considera a Unidade Nacional um partido radical. Mesmo no eleitorado do partido de Macron, mais de metade não o considera uma ameaça à democracia francesa.

A segunda grande diferença tem a ver com o eleitorado da França Insubmissa e da Unidade Nacional. A maioria do eleitorado do partido de Melenchon é constituída por radicais e revolucionários. No eleitorado da Unidade Nacional haverá certamente votantes de extrema direita, racistas, e mesmo anti-democráticos. Mas a maioria é composta por franceses comuns, que querem melhorar a situação em França, não querem uma revolução.

Os estudos eleitorais efectuados depois das eleições europeias são reveladores. A Unidade Nacional ganhou em todos os grupos etários, dividindo a liderança juntamente com o partido de Macron apenas no grupo dos que têm mais de 65 anos. No grupo entre os 18 e os 34 anos, ganhou com um terço dos votos.

No caso de votos rurais e urbanos, também ganhou, desde as aldeias e vilas até às grandes cidades, incluindo em Paris (19% contra 17% dos socialistas e do partido de Macron).

Em termos de classes profissionais, ganhou em todas, incluindo nos reformados. Entre a classe trabalhadora, operários, conquistou mais de metade dos votos. Se passarmos para os níveis de educação, ganhou em todos os níveis, ficando apenas empatado com os socialistas e o partido de Macron nos mestrandos e doutorados (17% para os três partidos).

Hoje, o eleitorado do partido de Le Pen vai dos campos às cidades, dos jovens aos velhos, dos operários às profissões liberais, dos que fizeram apenas o liceu até quem se doutorou.

A maioria desta gente não quer uma revolução. Quer apenas que a França mude para melhor. E deixou de acreditar nos partidos que dominaram a política francesa durante a V República. Se a Unidade nacional ganhar as eleições e formar governo, os culpados não são os franceses. São todos os que governaram a França desde os anos de 1990, Mitterrand, Chirac, Sarkozy, Hollande, Macron, e os seus partidos. Transformaram a França numa espécie de “República Monárquica” ao serviço dos interesses das elites políticas de Paris. A maioria dos franceses quer voltar a viver numa democracia.