Estamos a dias do Natal. Esta quadra pode evocar emoções diversas e até contraditórias, sobre os presentes e os ausentes, mas também sobre a nossa própria ausência porque hoje em dia é fácil estarmos presentes aos bocados, a torcer para que seja suficiente.

No meio da lufa-lufa da vida, somos pressionados a enfiar todas as coisas boas neste curto espaço de tempo. E nada materializa melhor este aperto do que a compra dos presentes de Natal.

Ouro, incenso e mirra, os presentes primordiais, terão sido levados pelos Três Reis Magos numa longa e árdua viagem. As oferendas simbolizavam realeza, divindade e imortalidade – qualidades que os sábios atribuíram ao Menino Jesus. Mas como é que passámos da história mais bonita para a tirania do consumo?

A tradição de oferecer presentes no Natal terá origem num conjunto de costumes cristãos, pagãos e folclóricos, que têm em comum a simbologia da generosidade e da união familiar.

A troca de presentes foi refletindo os sinais dos tempos. Na Idade Média, eram muito simples e simbólicos, à medida da escassez da época. Com o Renascimento, as oferendas tornaram-se um sinal do estatuto social do dador. A Revolução Industrial trouxe a produção em massa de brinquedos e outros bens, comercializando e democratizando o Natal. Já no século XX, com o consumo crescente, dar e receber tornou-se uma parte central da celebração.

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“E nos nossos dias?” Como em tantos outros assuntos, o século XXI trouxe consigo uma reflexão sobre o consumismo, a sustentabilidade e o valor do tempo (Aleluia!).

Na cultura ocidental, as crianças são as protagonistas desta tradição. É sobretudo para as crianças que compramos presentes, é sobretudo a pensar na nossa infância que vivemos o Natal. A expectativa é tanta, que se torna um símbolo do amor que lhes temos: tudo o que não podemos ser, estar, ouvir, acolher, orientar e atenuar enfiamos no sapatinho.

Sobre isto, trago uma boa notícia e outra mais sinuosa. A boa notícia é que as crianças não precisam de receber muitos presentes para se alegrarem. Na verdade, podem até beneficiar de receber uma quantidade limitada de presentes, que lhes permita valorizar mais cada um, sem sobrecarregar a atenção, a tomada de decisões e a oportunidade de brincar. Aqui, menos pode mesmo ser mais.

A notícia sinuosa é que as crianças não precisam sequer que os pais e familiares lhes deem objetos. Precisam de coisas que resistam ao tempo, ao choque, à tração e à temperatura, e que não possam desaparecer, ser roubadas, aspiradas ou ir para o lixo por engano. Precisam de coisas que não passem de moda nem sejam uma versão duvidosa do original: precisam de respeito, interesse, sensibilidade, previsibilidade, afetos positivos, limites claros, liberdade para brincar, aprender e socializar… E, claro, de tempo para tudo isto.

Mas, se ainda assim quiser oferecer um presente a uma criança, há alguns princípios que ajudam a fazê-lo de forma mais consciente e razoável:

  • Quantidade: quanto mais presentes, mais fragmentada fica a atenção e menos se destaca cada um dos objetos. Ter demasiados brinquedos diminui as oportunidades para brincar.
  • Qualidade: brinquedos que brincam sozinhos dispensam a participação da criança. Quanto mais abertos (isto é, que podem ser utilizados de várias formas, em vez de terem apenas uma função específica), maior o potencial de exploração e de satisfação.
  • Individualidade: escolher presentes à medida dos interesses e da fase de desenvolvimento de cada criança.
  • Sustentabilidade: considerar aspetos como o material e a durabilidade. Todos os brinquedos de plástico alguma vez fabricados ainda existem. Vender e comprar em segunda mão, por exemplo, ajuda a atenuar este tormento.
  • Rotatividade: alterar periodicamente os brinquedos disponíveis, ao invés de ter todos visíveis em simultâneo, ajuda a manter o interesse e a curiosidade.

Independentemente daquilo que cada família possa ou decida oferecer, que cada gesto diga claramente: “detive-me a pensar em ti, mereces todo o meu ouro, incenso e mirra”.

Feliz Natal!