Abril é, desde o início deste século, assinalado em diversos países como o mês da prevenção dos maus tratos na infância e juventude. Uma forma simbólica de assinalar a importância da prevenção primária e de sensibilizar a comunidade, de uma forma geral, para o papel fundamental que desempenha na prevenção, detecção e sinalização de qualquer forma de mau trato.

Porque devemos privilegiar uma cultura preventiva, de natureza universal, atuando sobre os factores de risco associados aos maus tratos, minimizando-os, ao mesmo tempo que se potenciam factores protectores. Prevenir ao invés de apenas intervir ou reagir.

Mas como se faz esta prevenção? O que implica? Que papel pode desempenhar cada um de nós?

Vamos centrar-nos sobre o abuso sexual infantil, por ser a forma de mau trato que é menos abordada, quer na família, quer na escola, talvez por estar associada ao tema da sexualidade, que continua ainda a ser um tabu.
A sigla ajuda a sistematizar as principais ideias e regras básicas a reter.

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P.R.E.V.E.N.I.R.

P (Privadas)
O corpo tem parte privadas (mamas e órgãos genitais) e não privadas. As crianças devem aprender a distinguir as partes privadas e não privadas do seu corpo e identificar as situações em que as suas partes privadas podem ser tocadas (por exemplo, em contextos de higiene ou de saúde).
Devem ainda aprender que o seu corpo lhes pertence. «O meu corpo é meu!» é algo que todas as crianças devem interiorizar.

R (Risco)
Existem situações de risco que as crianças devem aprender a identificar. Nem sempre são situações muito óbvias, na medida em quem os agressores sexuais (que podem ser de ambos os sexos, ter qualquer idade, profissão ou aparência) recorrem a estratégias de sedução e envolvimento, de forma gradual, bem como a comportamentos que podem ter um duplo significado. Por exemplo, mascarando comportamentos progressivamente mais sexualizados com brincadeiras de cócegas, massagens, ou mesmo cuidados de higiene. As crianças mais novas, em particular, têm maior dificuldade em identificar estas situações, sendo que nem sempre as percepcionam como abusivas.

E (Escutar)
O abuso sexual reveste-se de segredo e o processo de revelação é muitas vezes inibido por sentimentos de culpa, vergonha e medo. A criança sente medo de não ser acreditada ou medo de consequências negativas, para si ou para terceiros. Medo ainda de ser afastada da família ou de que algo mau possa acontecer ao abusador, tantas vezes uma pessoa especial e de quem a criança gosta, o que potencia conflitos de lealdade.
No entanto, muitas crianças fazem tentativas de revelação junto de adultos em quem confiam. Tentativas estas que nem sempre são explícitas, e que é preciso saber descodificar. «Não gosto dos beijos do tio»,ou «não quero mais ir para casa da avó»são alguns exemplos de tentativas de dizer algo. Algo que nem sempre é compreendido.
O adulto deve escutar activamente a criança, dar-lhe espaço para falar, mas também e, acima de tudo, estar atento a eventuais alterações de funcionamento que possam surgir (por exemplo, alterações de comportamento, emocionais, sociais).
Escutar a criança significa ouvir para além daquilo que é dito. Ver para além do que é observado. E manifestar disponibilidade emocional para ouvir, mostrar que se acredita na criança e desresponsabilizá-la pelo abuso.

V (Valorizar)
Valorizar as competências da criança, os seus recursos e potencialidades e ajudá-la a perceber que pode desenvolver competências para lidar com eventuais situações de risco.
Aprender a distinguir segredos bons e segredos maus. Segredos bons são segredos que nos fazem sentir bem e que, mais tarde ou mais cedo, acabam por ser revelados (por exemplo, uma prenda ou surpresa que se prepara para alguém). Pelo contrário, os segredos maus estão associados a emoções negativas, geram desconforto e mau estar. Os segredos bons podem ser guardados, mas os segredos maus devem sempre ser revelados.

E (Emoções)
Crianças mais novas, em idade pré-escolar, já conseguem distinguir emoções positivas e negativas, e associar estas últimas à necessidade em pedir ajuda. Emoções como a tristeza, a zanga, o medo, a vergonha e a culpa podem surgir relacionadas com toques ou conversas sobre as partes privadas ou, ainda, com segredos maus. Qualquer situação que seja geradora de emoções negativas deve ser revelada a um adulto de confiança.

N (Não)
A criança tem o direito de dizer «Sim» e dizer «Não». Dizer «Não» aos toques ou conversas sobre as partes privadas, aos segredos maus, a qualquer interacção que a faça sentir emoções negativas.
Dizer «Não» e pedir ajuda a um adulto de confiança. E se esse adulto não acreditar em si? Pedir ajuda a outro adulto. E assim sucessivamente, até que seja acreditada e protegida.
Não estamos a proteger as crianças quando lhes dizemos que devem obedecer sempre aos adultos. Pois nem sempre os adultos têm razão.

I (Internet)
O uso do Internet faz parte da vida diária da maioria das crianças e adolescentes, com recurso aos telemóveis e outros dispositivos. Em muitas situações, esta ligação à Internet tem claros benefícios, permitindo aprender e estudar, socializar e jogar com os amigos, partilhar fotos e vídeos, ou conversar em salas de chat. Mas também existem riscos associados ao uso da Internet, que podem envolver interacções de natureza sexual. Podem ser expostos a imagens de natureza sexual, receber mensagens sexuais, ser vítimas de chantagem, exploração ou abusos sexuais.
Os pais e cuidadores desempenham um papel fundamental no sentido de promover boas práticas do uso da Internet, estando atentos e conversando abertamente sobre estes riscos, no sentido de promover uma navegação segura. A utilização de controlos e filtros parentais também ajuda na protecção das crianças online.
Novos termos reflectem novas práticas que os pais têm de conhecer, para poder identificar e sinalizar às entidades competentes.
«Sextortion»- exploração de crianças online, em que o agressor chantageia, ameaçando publicar imagens sexuais desta em troca de favores sexuais, dinheiro ou outros benefícios.
«Sexting»- enviar e receber imagens sexualmente explícitas.
«Sex-Chatting»- chat de natureza sexual, em que existe troca de imagens e conteúdos sexuais entre crianças e adultos. Muitas vezes é nestes chats que se inicia o processo de aliciamento gradual da criança (o chamado «grooming»), com vista ao envolvimento em pornografia infantil ou coerção sexual.
As crianças devem aprender a usar a Internet em segurança. Não revelar dados pessoais, não marcar encontros com pessoas que apenas conhecem online. Não abrir mensagens ou ficheiros de pessoas que não conhecem e saber que devem sempre contar a um adulto de confiança qualquer situação que os faça sentir-se desconfortáveis.

R (Revelar)
Os toques ou conversas sobre as partes privadas, os segredos maus, ou qualquer outra situação que gere emoções negativas deve ser revelada a um adulto de confiança. As crianças devem ser ajudadas a identificar estes adultos, fazendo aquilo que alguns autores chamam do «círculo da confiança».Quem está dentro do círculo de confiança? Quem são as pessoas a quem posso pedir ajuda se precisar?
Dentro deste círculo devem estar várias pessoas, a quem a criança deve revelar qualquer situação potencialmente abusiva até que seja acreditada e protegida.

Em resumo, prevenir o abuso sexual não envolve falar de penetração, masturbação ou expor a criança a conteúdos sexualmente explícitos. Implica abordar temas como o corpo, os toques, os direitos, as emoções, os segredos e os riscos associados ao uso da Internet. Implica também aprender a identificar potenciais situações de risco e pedir ajuda.

A prevenção do abuso sexual é da responsabilidade de todos nós, enquanto comunidade. Exige uma abordagem sistémica e holística, envolvendo a criança, os pais, professores e técnicos de uma forma geral.
Exige ainda (talvez o mais difícil) que toda a comunidade passe a abordar este tema com a mesma naturalidade com que aborda a prevenção rodoviária ou realiza simulacros de sismos nas escolas. No fundo, dotar as crianças de competências para lidar com potenciais situações de risco.

Não podemos ignorar. Devemos P.R.E.V.E.N.I.R.