No âmbito dos processos de alienação parental é frequente que o pai ou mãe alienado se veja impedido de ter contacto com os seus filhos, nomeadamente, durante o período das férias grandes. Esta é mais uma enorme limitação no direito dos filhos e dos pais a terem acesso a uma relação efetiva e saudável. O sofrimento decorrente desta situação é testemunhado por muitos pais e mães, pelo que deve ser seriamente considerada para nossa efetiva reflexão sobre as perversas consequências da alienação parental.

Neste texto, recolhemos e comentamos os testemunhos reais de seis pais e mães (nomes fictícios) que sofrem a ausência de pode conviver com os seus filhos (nomes também fictícios), durante o período de férias grandes: José, pai de Sara de 14 anos (pais separados há 8 anos), Francisco, pai de dois filhos Ana de 13 anos e João de 9 anos (pais separados há 4 anos),  Anamar, mãe de Carolina de 15 anos (pais separados há 7 anos), Afonso, pai de dois filhos de 17 anos e filha de 15 anos (pais separados há 3 anos), Bruno, pai de Luís de 7 anos (pais separados há 6 anos), Miguel, pai de três filhos, Filipa de 4 anos, Rita de 9 anos e Tiago de 21 anos (pais de Filipa separados há 4 anos), e Inês, mãe de Vera de 12 anos (pais separados há 5 anos).

A alienação parental deve ser considerada como uma prática de crime de violência doméstica uma vez que consiste numa violação do direito das crianças e jovens a terem um contacto saudável e livre com ambos os pais. Nesse sentido, José considera que a ausência da possibilidade de estar com a filha nas férias é uma violação do direito da convivência entre pais e filhos, referindo que: “Pais em férias sem filhos? Nem por opção, nem por imposição, seria contranatura, seria uma violação de direitos e obrigações, quer no lado dos pais, quer no das crianças, enquanto filhos”. Este comportamento de alienação parental é uma forma de violência psicológica contra as crianças e adolescentes, um mau trato psicológico e emocional, uma violação da liberdade de afetos, um crime que deve ser combatido e denunciado e que, como refere José, é: “sobretudo uma violação e uma violentíssima agressão no domínio dos afetos, dos sentimentos e das emoções, para um normal vínculo familiar”.

Recebemos também relatos de angústia, expressando a dor e o desespero decorrentes do facto de pais e mães nem sequer saberem onde é que os filhos passam as férias. Francisco testemunha esta situação assim: “Percebi que estavam no Algarve, mas não consegui mais nenhuma informação. Em relação a 2021, 2022 e 2023, não faço a mínima ideia onde possam ter estado durante as férias”, e o Afonso desta forma: “Um dia, ao chegar a casa, deparei-me com uma cena devastadora que ficará gravada na minha memória: os meus filhos saíam sem aviso num carro com a mãe, como se estivessem a ser raptados, acenando-me com as mãos enquanto diziam “adeus”, com expressões de medo. Durante vários dias, vivi a angústia de não saber onde estavam”.

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Alguns pais que partilham a dor e o sofrimento de não poderem passar as férias com os filhos, vivem na esperança de poderem ainda ter essa felicidade no futuro.  José deseja que um dia tudo regresse ao que seria normal, a um tempo de família:  “Há, sobre férias de pais sem filhos, eu serei um deles, mais um ano, mas com esperança de num qualquer adiante, poder dar-lhe a mão e correr com ela ao longo da beira-mar, apanhar conchas e pedrinhas coloridas, rir muito e falar-lhe dos tios e dos primos, dos avós que já cá não estão e que a adoravam – a avó faria hoje (21 de Agosto) 100 anos e o avô faria amanhã (22 de Agosto) 106 anos –, falar-lhe de música e dos muito discos (vinis, cd’s, dvd’s) que ainda guardo, de podermos ouvi-los na minha sala de áudio, alguns que ela poderá ainda ter memória de os ter ouvido comigo de quando era pequenina e, se ela quiser recordar ou conhecer sobre tempos passados que nos une, revendo-se em muitos deles, desde o absoluto primeiro momento da sua vida, o seu nascimento, podemos passar algum tempo a ver fotos e vídeos, os muitos que eu fui fazendo ao longo da vida e chorarmos juntos”.

Mas, frequentemente, é a dor incontrolável do afastamento que prevalece. Anamare testemunha um sofrimento intenso por estar impedida de estar com filha: “As lágrimas, sinto-as de dentro do corpo, a subir até aos olhos (salgadas), igualmente como sinto, a subir, a vaga, de calor da menopausa. Aí. Dói. Dói ouvir da tua voz que não queres estar comigo. Dói a tua revolta. Dói. Dói tanto que fico sem voz. Dói. Em mi. Em ti. Em ti de mim. E em mim de ti. Dói de verdade. Queres tanto sair, quando a inércia de ficares onde estás. Aprisionada da verdade construída para ti. Mesmo não sendo essa a verdade, mas a realidade. Dói. Ser sem ti. Dói. Não é uma ferida.  Dói. Não é uma dor. Dói. É uma vida a doer”.

Um afastamento que, muitas vezes, se prolonga por muitos anos. No caso do pai Bruno, o sentimento de enorme tristeza por não poder passar as férias com os filhos dura há seis anos: “Muito triste. Altamente frustrado, ansioso, violentado, minimizado, injustiçado e desprezado por quem eu escolhi para ter um filho e por quem representa a justiça, o Tribunal”.

A ausência física dos filhos é, muitas vezes, agravada pelo desconhecimento sobre o seu paradeiro, o que é bem expressa no testemunho de Francisco que, por analogia, se refere à dor que qualquer pai e mãe sentirá quando perder momentaneamente um filho: “Se imaginarmos um casal que foi às compras ao supermercado com o seu filho, ou que foi fazer uma caminhada pelo parque, e perguntarmos à mãe ou ao pai, como reagiriam se não soubessem onde está o seu filho durante uma hora, um dia, uma semana, um mês, perceberíamos a angústia/pânico que uma mãe ou um pai sentem, quando são vítimas de alienação parental”.

Deixando de partilhar as rotinas diárias dos filhos, os pais e mães começam a sentir-se excluídos da vida deles e a desenvolver um sentimento de angústia pelo seu afastamento e uma perceção de incapacidade de apoiar o seu desenvolvimento. Afonso partilha a dor indescritível de não os ter presentes na sua vida: “Com o tempo, os meus filhos perderam o hábito de estar comigo e começaram a criar novas rotinas e amizades, das quais fui ficando excluindo. O que deveria ser um período de união tornou-se numa angústia profunda e num desfiladeiro de afastamento. A dor de não estar presente e de ser excluído é indescritível, e o receio de ver o futuro deles ameaçado é ainda mais desconcertante”.

Muitas vezes, o direito de contacto permitido pelo pai ou mãe alienador nas férias restringe-se a quase nada, como a uma videochamada ou um telefonema. José relata que: “Na última videochamada que tivemos, no passado dia 15 de Agosto deste 2024, terminou a conversa que evoluía sobre os estudos, sobre o corte de cabelo que fez e sobre o conceito de encarregado de educação, classificando-me como pedófilo, sem direito a contraditório e desligou (…) alvo de alienação parental, privado desde há 8 anos de qualquer convívio com a minha única filha, agora com 14 anos, mas tão somente de um contacto em videochamada de alguns minutos, de 3 em 3 semanas, sempre a partir do telemóvel da mãe, já que me é vedado o conhecimento do seu próprio número de contacto, chamadas essas que se realizam desde há 4 anos a esta parte”. Francisco resume as férias com os filhos a uma chamada telefónica: “Em 2020, foi-me permitido um telefonema para os meus filhos durante os dias em que estiveram de férias (com a mãe, tia e avô materno)”.

Nestas condições, Francisco refere que não é possível aceitar a ausência dos filhos, “fingido” que seja uma normalidade quando, na realidade, é um verdadeiro pesadelo: “Quando falamos em férias, ocorre-nos imediatamente a praia e o sol, alguns dias para estar com aqueles que nos são próximos (família e amigos), esplanadas, uma quinzena longe do trabalho, descanso, cinema, caminhar ao ar livre, gelados, andar de bicicleta, festas de Verão, romarias, leitura, festivais gastronómicos e musicais, etc. Uma mãe ou um pai vítima de alienação parental, poderá eventualmente desligar o chip dos filhos, e tentar viver uma vida normal, aproveitando os momentos de diversão que vão surgindo. Será isso possível?! Acredito que para a maioria das mães e dos pais que se encontram nesta situação, tal não é possível. E compreende-se porquê”.

A mágoa de não poder ter os filhos com eles nas férias contrasta com as recordações que os pais têm dos bons momentos que puderam vivenciar, antes da separação ou divórcio, durante o período de férias, partilhando de atividades, passeios, festas, como relata José: “Férias passadas com a minha filha, sempre e até aos seus 6 anos e meio, sobretudo com muitas atividades recreativas de diversão, de jogos, de música numa casa grande, com um grande jardim, com muitos passeios, sempre junto com a mãe, com muita praia no Verão, com algumas festas de aniversários, enfim uma vida em família aparentemente normal, mas que, na realidade, estava infetada, praticamente desde o nascimento da filha, de um vírus malvado, que começou por se manifestar numa ligação maternal, da mãe para a filha, que evoluía no sentido de gerar uma forte e inquebrável coesão de lealdade, muitas vezes gritada, numa letra repetida de “a filha é minha”, “a filha é minha”.

No mesmo sentido, Francisco relembra as últimas férias que teve com os filhos, em família: “(…) ocorreram em 2019, no Algarve, e depois disso, houve ainda a possibilidade de a minha filha passar uns dias na casa dos avós, não tendo os pais, nem o irmão por perto”.

Anamar descreve como é doloroso ir aos locais que costumava passar férias com a filha, sem que ela possa estar presente – a ausência dos mergulhos juntas, o ouvir chamar mãe e não ser a voz da sua filha: “Tenho um mês de férias. Agora. Vou à praia de manhã ou de tarde, e não consigo ficar. Não consigo ficar sem sentir a sua ausência. Tantas famílias, tantos amigos, tantas pessoas, falta uma. E eu ali, no vazio da tua ausência. As vozes que chamam mãe. A mãe que já não posso chamar. A mãe que não oiço. Mergulho. Mergulho e lembro-me e sinto-me a mergulhar contigo. Mas estou sozinha sem ti. Estás sem mim. Quando não estás próximo parece fácil. Quanto estou longe parece mais fácil. Quando estamos juntas é belo”.

Mas também é profunda a dor que a Inês expressa por não poder ser mãe e partilhar as rotinas da filha e por ver as outras mães com as suas filhas não podendo ter consigo a sua: “Eu praticamente não saia de casa e o ambiente familiar, típico das férias grandes, por todo o lado, é muito penoso para mim. Vamos onde vamos, faça o que se faça, está sempre presente o ambiente das férias grandes. Momentos que para qualquer mãe são comuns e normais, como as advertências aos filhos, comprar-lhes um gelado, dar-lhes a mão para atravessarem a estrada. Tudo, mas tudo me custava ver. Queria estar no lugar desses mesmos pais. Tinha mesmo ciúmes e muita dor, e evitava presenciar, olhar sequer, para esses momentos cúmplices entre pais e filhos. Desviava o olhar, com uma vontade imensa de chorar”. Inês narra como os locais onde passava férias com a filha se tornaram locais dolorosos, e como sentia que estava a trair a filha, quando estava sem ela, nestes locais: “Levava a mal quando as pessoas me aconselhavam a sair para eu apanhar sol, ir a uma esplanada. Para mim era uma traição à minha filha o facto de eu estar a usufruir de algum momento de prazer, de lazer, sem a minha menina. Era dilacerante. Metia-me em casa e só saia quando era necessário, ansiosa pela próxima visita da minha filha, ainda que na incerteza, sequer, se veria a minha filha”.

Mais estranha ainda, é a circunstância de um pai ou uma mãe ter mais filhos, por exemplo três, e poder passar as férias apenas com dois. Nesta situação, Miguel relata o sentimento de culpa de poder estar com dois dos seus filhos e da sua filha não poder estar com ele e com os seus dois irmãos: “Quando passamos férias sem a Filipa, era um misto de sentimentos:  sentimento de culpa de estar de férias com os irmãos sem ela, porque não queríamos estar na praia sem a Filipa quando fazíamos alguma coisa bonita, , por exemplo, dizíamos sempre a Filipa iria adorar estar aqui a ver o cinema ao ar livre! Sentimento tristeza intenso de que falta uma pessoa, e a lágrimas ao fim do dia quando deitava a irmã eram constantes. Os irmãos sentiam a culpa de estar de férias sem a irmã”.

A família próxima também sofre. Francisco refere o sentimento de que foram sonegados  aos filhos momentos de convívio com a família próxima: “Não se trata apenas de não podermos estar a partilhar momentos de felicidade e normalidade com os nossos filhos. Na verdade, estão a roubar-nos (às mães/pais e filhos) momentos de convívio familiar, momentos irrepetíveis no crescimento dos nossos filhos, e momentos fundamentais de relação com aqueles que mais amamos”. Como também menciona o Francisco, não é apenas o pai não tem férias com os filhos, mas também os avós que ficam privados de férias com os netos, os tios que não tem férias com os sobrinhos, e os primos não tem férias com os primos: “A restante família mais próxima fica também muito triste, ansiosa, injustiçada e frustrada”, ou como relata o José: “não sendo possível dispor de tempo exclusivo entre pai e filha para simples passeios pelos campos próximos à moradia, ou visitas aos avós, tios e primos, que deixaram de poder ter contacto com a neta, sobrinha e prima, desde o seu segundo ano de vida”.

Enquanto não existir uma criminalização generalizada da violação do direito ao convívio entre todos os pais ou mães com os seus filhos, onde se incluem o momento das férias, muitos dos pais e mães alienantes não terão qualquer receio em continuarem a promover essa maldade, sentindo-se impunes e reforçando a sua erradíssima e perversa sensação de posse exclusiva sobre os filhos com o objetivo de atingir o ex-cônjuge, mantendo-se despreocupados com o impacto deste mau trato nos seus próprios filhos.