Que respostas teremos, se perguntarmos, à maior parte dos Portugueses, coisas elementares sobre o Parlamento Europeu (PE) como: quantos deputados tem?, quantos deputados Portugal elege?, quais os poderes?, que benefícios a sua atividade traz à vida nacional?, o que faz pela União Europeia?, o que fazem os deputados portugueses?, quem são?
Intuímos que é muito baixo, o nível de conhecimento dos cidadãos, nestas e noutras matérias relativas ao Parlamento em particular e à União Europeia em geral.
Entretanto, o último Eurobarómetro do PE sobre as Europeias de 2019 (Outubro de 2018), dizia que 53% dos eleitores portugueses não pensavam votar nas próximas eleições europeias ou pensavam vagamente na possibilidade (17%), num total de 70%! É o país que revela maior taxa de desmotivação neste parâmetro, de todos os inquiridos. Em 2014, foram, efetivamente, 66%, os eleitores portugueses que se abstiveram.
A nível europeu, a taxa de participação, desde as primeiras eleições diretas para o PE, nunca pararam de baixar – 61% em 1979, 42% em 2014. Tal acontece, apesar da taxa de aprovação da União Europeia, em 2018, estar acima nos 66% (de acordo com o inquérito já referido) e de tanto o Parlamento Europeu como a Comissão procurarem demonstrar aumentos de níveis de aprovação dos cidadãos face à União Europeia.
Em função destes números, façamos o seguinte exercício: se o PE fosse uma empresa e os deputados fossem administradores da mesma; se a empresa tivesse uma taxa de aprovação alta no início da sua atividade (eleições de 1979) e, daí para a frente, a sua aprovação baixasse, ano após ano, durante 35 anos seguidos (eleições de 2014), o que diríamos, em termos de avaliação do desempenho, dos administradores da empresa?
Se o PE fosse uma associação subsidiada pelo Estado e, ano após ano, baixasse a taxa de aprovação dos seus utilizadores ou destinatários, durante décadas sucessivas, o que deveria fazer o Estado ao subsídio atribuído?
Se o PE fosse um restaurante, e ano após ano, perdesse clientes, o que se deveria fazer com os cozinheiros?
As analogias podem ser perigosas. Perigosas porque sabemos que, apesar da sua utilidade, podem limitar o sentido da realidade e será, precisamente isso, que farão os movimentos populistas na campanha eleitoral que está pela frente.
Podendo a generalização ser injusta, tal não impede a seguinte asserção: o PE enquanto instituição, e os seus deputados, serviços de apoio centrais e representações nacionais, ao longo das décadas, apesar de todo o investimento financeiro e programas existentes, foram incapazes de gerar uma aproximação maior dos cidadãos europeus, como os números demonstram.
Mas diga-se que a responsabilidade desta situação não é, exclusivamente, do PE. A nível europeu, tanto o Conselho como a Comissão, falharam, no mesmo período, a missão da proximidade aos cidadãos. E, a nível nacional, os governos pouco têm feito, de forma sistemática, nesse sentido e os cidadãos, eles próprios, parecem sempre mais empenhados na reivindicação de direitos que no empenhamento no dever de participação.
Assim, instituições decisivas na estabilidade e desenvolvimento nacional e europeu, são mal conhecidas e distantes.
Num momento em que os populismos de Direita e de Esquerda assumem uma relevância assustadora nos sistemas democráticos nacionais, na União Europeia, teme-se o seu efeito no resultado das próximas eleições europeias e, consequentemente, na estabilidade da arquitetura institucional da União. Sabe-se que a possibilidade de haver um bloco populista com mais de 20% no PE é muito elevada, em detrimento do Partido Popular Europeu e do Partido Socialista Europeu — as forças democráticas que têm assegurado o poder institucional na União Europeia ao longo das décadas.
A história do Parlamento Europeu, enquanto instituição-chave no processo europeu — ao lado da Comissão Europeia, do Conselho e do Tribunal de Justiça — liga-se à devastação provocada pela II Guerra Mundial.
Há uma rede de instituições – na área da organização política, da economia, da defesa — que a Europa Ocidental desenvolveu desde os fins dos anos 40 do século passado não só para fazer face à situação terrível em que se encontravam os seus povos e territórios, como para favorecer a paz e a segurança, através de um desenvolvimento comum. Essa rede de instituições, assegurou uma paz europeia durável – de 1945 até hoje. Entre essas instituições, encontram-se: a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OECE) criada, na sequência do Plano Marshall, em 1948 – para dar origem, em 1961, à Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE); o Conselho da Europa, criado em 1949, como consenso possível (entre federalistas e defensores dos mecanismos intergovernamentais), a partir do Congresso de Haia, de 1948; a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), criada em 1949 e a União da Europa Ocidental (UEO) criada em 1954, ambas na sequência do Tratado de Bruxelas de 1948, para a promoção da defesa comum.
De todas as instituições deste período, interessa-me, pelo seu pioneirismo e papel matricial, destacar a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), criada, em 1952, pela França, RFA, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, os mesmos países que, em 1957, criam a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia de Energia Atómica (EURATOM), as bases institucionais e políticas da União Europeia. Estas três comunidades – Comunidades Europeias – passam a ter, a partir de 1965, um Conselho e uma Comissão únicos.
Os termos do Tratado CECA, de 1952 (Tratado de Paris), o primeiro da história das Comunidades Europeias, merecem lembrança, num momento em várias das preocupações que nos perturbam correspondem, em parte, à razão da sua instituição. Essas razões não se apagam com os termos da vigência do mesmo, conforme previsto, ao fim de 50 anos, ou seja, em 2002.
O modelo de poder institucional na União Europeia é uma construção sui generis, não assimilável nem ao conceito de Estado unitário nem ao de federalismo. O Tratado CECA aportava já consigo, o desenho basilar que ainda hoje organiza as principais instituições europeias.
À data, procurava-se, com a CECA, a construção duradoura da paz, depois da guerra – o que se garantiu nos últimos 67 anos. Agora, com a União Europeia, procura-se a manutenção da paz e evitar perturbações que possam trazer de volta a guerra.
No seu preâmbulo, o Tratado CECA argumenta as suas razões: “Considerando que a paz mundial não pode ser salvaguardada sem esforços proporcionais à medida dos perigos que a ameaçam; Convencidos do valor do contributo que uma Europa organizada e viva pode dar à civilização é essencial para a manutenção de relações pacíficas; Conscientes que a Europa só se construirá por realizações concretas, criando, em primeiro lugar, uma solidariedade de facto, e pela criação de bases comuns de desenvolvimento económico; Preocupados em concorrer para a expansão das suas produções fundamentais para o aumento do nível de vida e para o progresso dos trabalhos para a paz; Resolvidos a substituir rivalidades seculares por uma fusão dos seus interesses essenciais, a fundar pela instauração de uma comunidade económica os primeiros fundamentos de uma comunidade mais larga e profunda entre povos longamente opostos por divisões sangrentas, e a lançar as bases de instituições capazes de orientar um destino doravante partilhado;”.
Ao Tratado CECA seguiram-se os tratados CEE e EURATOM de 1957 (Tratado de Roma), o tratado de fusão das três comunidades europeias, de 1965, o Ato Único Europeu de 1986, o Tratado da União Europeia, de 1992 (Maastricht), o Tratado de Amsterdão, de 1997, o Tratado de Nice, de 2001, o Tratado de Lisboa, de 2007.
De diferentes formas, todos procuraram reforçar objetivos políticos do tratado de 1952 – construção da Paz; papel da Europa no Mundo; criação de bases comuns para o desenvolvimento económico e do mercado; melhoria do nível de vida das populações; substituição das rivalidades por uma convergência para um projeto político comum. Podemos dizer que a União Europeia e os seus antecedentes institucionais, têm tido sucesso no cumprimento destes objetivos. Mas então, porque se vive, atualmente, o clima de instabilidade e antagonismo que refuta esta tese?
A assembleia CECA era uma assembleia consultiva, constituída por quotas de deputados dos parlamentos nacionais (78 deputados) dos países fundadores das comunidades europeias: França, Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica e Luxemburgo.
O Tratado da Comunidade Económica Europeia previa, em 1957, a organização de procedimentos para permitir a eleição direta de deputados. Todavia, só a partir de 1979 esta eleição direta de tornou efetiva, para abranger, nas eleições de 2019 (contando com o Brexit), um Parlamento com 27 países (entre os quais, os países de Leste, chegados em 2004), 330 milhões de votantes e 705 lugares (dos quais 21 para Portugal).
A tendência, desde o Ato Único Europeu de 1987, foi de reforço e alargamento dos poderes e competências do PE – consulta obrigatória, capacidade legislativa e de co-decisão, autoridade orçamental, direito de petição. Atualmente, este reforço e alargamento parece uma ameaça: o que acontecerá à União Europeia se as forças populistas detiverem uma parcela significativa de assentos parlamentares?
Vamos tarde para resolver, nos menos de quatro meses que nos separam das eleições para o PE, os problemas de décadas de distância aos eleitorados e falta de conhecimento das instituições europeias por parte dos mesmos, situações que favorecem as forças populistas e de que as forças políticas democráticas pluralistas têm responsabilidades evidentes.
Dir-se-à que não se conseguiu que, em geral, os cidadãos europeus se consciencializassem dos benefícios da União, para lá das vantagens materiais e das liberdades de circulação.
Não por os deputados ao PE e os partidos a que pertencem não trabalharem (há de tudo, como em tudo na vida). Mas por terem esquecido ou não terem sido capazes, na complexidade das dinâmicas mediáticas contemporâneas, de resolver questões essenciais no que se refere à participação cidadã na construção de uma comunidade europeia com sentido político e cultural – de facto, não é com visitas sortidas, de vez em quando, de alguns grupos de portugueses a Bruxelas e Estrasburgo ou com umas horas por ano de disponibilidade nos gabinetes das representações nacionais, com conferências ou sites pouco visitados, que se resolvem as distâncias existentes entre eleitos e eleitores.
Tem faltado – sistematicamente – capacidade de formação política dos cidadãos (dos mais jovens aos mais velhos) sobre as instituições europeias e a sua importância. Tem faltado – sistematicamente – capacidade (vontade?) de envolvimento, de mobilização da participação cidadã.
As décadas de diminuição progressiva de votantes nas eleições europeias, demonstram-no.
E agora?
Agora, esperamos todos que haja capacidade dos partidos democráticos chegarem aos cidadãos. Que haja mobilização destes para as próximas eleições europeias.
Esperamos que os ativos tóxicos dos populistas não tenham o efeito que tememos.
E sabemos que se não se mudar – fundadamente – as formas como os democratas querem que a democracia aconteça, esta tenderá a desfazer-se à nossa volta – e o Parlamento Europeu, em vez de servir a democracia representativa pluralista, poderá ser um instrumento de extremistas que querem acabar com ela.
Em vez de falsas bravatas relativas aos papões populistas, melhor é mesmo apresentar propostas credíveis ao eleitorado, nomeadamente aos que se sentem mais fragilizados e que sentem as desigualdades sociais e económicas, a insegurança e o peso da corrupção.
Sem perspetivas verdadeiramente inclusivas e articuladoras de equilíbrios entre Estado Social e Mercado, proteção do emprego e espaço para a iniciativa privada, sustentabilidade ambiental e coesão social numa sociedade ainda muito desigual, por mais que digamos coisas bonitas para aqueles com quem temos afinidades eletivas, ficaremos cada vez mais próximo de pontos de rotura social, que os inimigos da União Europeia, internos e externos, explorarão sem piedade.
Não só temos de estar vigilantes como temos de agir, sem tibiezas, com entusiasmo e determinação, unindo as forças democráticas no propósito comum de salvaguarda do pluralismo – o que só será possível se, cada uma das forças democráticas, for capaz de se distinguir, comunicar e valorizar aos olhos dos eleitores. O tempo urge.