Preservar a memória é um processo que implica resiliência, disciplina, perseverança e dedicação.

Quem conhece a paisagem cultural de Sintra, classificada pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade, sente a importância da memória e o significado que pode ter para a identidade coletiva.

Ali temos uma serra que desperta a essência do nosso ser, monumentos que valorizam o cunho humano na paisagem e séculos de história de um património único.

Este singular território tem sido gerido, nos últimos 23 anos, pela empresa pública Parques de Sintra – Monte da Lua (PSML) que procura permanentemente que a passagem do tempo não apague a memória, de forma a garantir a proteção da nossa história.

Os resultados são incontornáveis. O país ganhou com um modelo de gestão ímpar que investiga, recupera e mantém este património. É gerada assim atratividade para a visitação, o que origina receitas próprias sem recurso ao orçamento do Estado. É um círculo virtuoso, assente numa saudável autonomia e em que colaboradores dedicados são fundamentais para garantir este movimento.

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Portugal encontrou assim uma gestão empresarial funcional no âmbito do setor do Estado, aliando a capacidade de um modelo de negócio à reconhecida conservação de património cultural.

Não foi um acaso a Parques de Sintra ter sido considerada, ao longo dos últimos 10 anos, a melhor empresa do mundo em conservação pelo “World Travel Awards”.

Também não terá sido uma coincidência a empresa ter gerado, em 2018, um resultado de 12,5 milhões de euros, entregando à administração fiscal 3,3 milhões de euros, tendo repartido 75% do lucro, no montante de 6,8 milhões de euros, pelos acionistas da empresa, num ano em que recebeu mais de 3 milhões e 600 mil visitas. Conseguiu ainda durante o período da pandemia não recorrer ao orçamento do Estado para se financiar.

Mas como em tudo na vida e, particularmente em Portugal, há sempre um momento em que as melhores, óbvias, e testadas soluções são colocadas em causa. Em Sintra foi preciso um governo socialista, com maioria absoluta, para confirmar esse penoso destino nacional numa empresa pública com mais de duas décadas de uma história de sucesso.

Em apenas um mês, e por duas vezes, os colaboradores paralisaram a empresa, encerrando todos os parques e monumentos. O Palácio Nacional da Pena, de Queluz, de Sintra, o Palácio de Monserrate, o Castelo dos Mouros ou o Convento dos Capuchos encerraram devido à realização de dois plenários de trabalhadores. Em mais de duas décadas de existência, foi a primeira vez que todos os espaços fecharam portas, uma proeza que nem no período da troika foi alcançada.

Neste contexto, é obrigatório refletir com seriedade sobre a possível reorganização, e as suas consequências, da distribuição do capital social da PSML, no qual o Estado central detém 85% e a Câmara de Sintra a parte restante. Acredito que a autarquia deveria ver reforçada a sua participação com a inclusão de outros equipamentos culturais que estão sob a sua administração direta. Uma gestão integral da oferta do património cultural sintrense traria ganhos, embora com a clara convicção de que a maioria do capital social deverá ser concentrado no Ministério do Ambiente e da Ação Climática e não partilhado com o Ministério das Finanças e com o Turismo de Portugal, I.P., como hoje acontece. Tutelas repartidas não dão bom resultado, está à vista!

O SINTAP, sindicato afeto à UGT, já anunciou um pré-aviso de três dias de greve em pleno período da Páscoa.

Como conseguiu a governação socialista conduzir a empresa a este nível de degradação laboral, situação que se multiplica um pouco pelo tecido empresarial do Estado?

A principal razão é a displicência. O PS desistiu do complexo processo democrático da governação. Desistiu de si e com isso desistiu do país. Os seus responsáveis estão enredados numa teia de conspirações, onde a sucessão cada vez mais provável do Primeiro-ministro colocou os interesses nacionais em segundo plano, na aparente tranquilidade da maioria absoluta.

Esta displicência originou indiferença perante as legítimas expectativas de amplas camadas da população portuguesa, onde se incluem os colaboradores da Parques de Sintra.

Hoje, o sindicato da UGT pede apenas equiparação salarial da empresa à função pública, mas o governo ignora, num misto de indiferença perante as dificuldades dos mais fracos. Não há orientações, definição de objetivos ou dinamismo para concretizar qualquer tipo de política que responda aos urgentes problemas nacionais e locais. É neste contexto que os avisos deixados pelo Presidente da República, na recente entrevista à RTP, devem ser encarados.

A segunda razão é a falta de memória. Se o atual governo valorizasse algo mais que as questões passageiras do dia-a-dia, encarava certamente Portugal noutra perspetiva.

Perceberia a nossa história, compreenderia as reais expectativas do nosso povo e não se desmultiplicaria em anúncios vazios de grandes programas estruturais, sem primeiro solucionar os problemas concretos. Teria consciência de que valia a pena investir tempo na ponderação de como travar um processo de degradação que coloca em causa uma empresa com as características da Parques de Sintra.

A memória dos nossos princípios democráticos é o que nos permite dar consistência à forma como exercemos as nossas responsabilidades políticas. Deste governo, perante a excecionalidade da maioria partidária que detém, não se perdoa a ausência de qualquer visão estratégica ou de qualquer medida coerente que defenda o interesse nacional. À Câmara Municipal de Sintra exige-se ação na defesa do nosso património, de todo o património.

A esperança reside, como sempre, nos portugueses. No caso da Parques de Sintra, nos seus trabalhadores.

Marco Almeida

Professor, militante PSD, Sintra