Quase ninguém fala disto, mas um dos piores problemas contemporâneos de Portugal é a construção civil. Que anda a dar cabo do país desde a década de 1960, aproveitando o último êxodo rural, o moderno turismo de massas e a nova ideologia do shopping e do cabeleireiro.
O pato-bravismo, com efeito, descaracterizou a maior parte das nossas cidades e vilas históricas, arrasou aldeias seculares, devastou campos de cultivo férteis, abateu matas e florestas, poluiu quase irremediavelmente os rios e cimentou os litorais mais bonitos.
Acima de tudo, a indústria imobiliária alimentou a grande Revolução Suburbana que nas últimas décadas levou muita gente a desistir de verdadeiros modos de vida em troca de simples expedientes de sobrevivência.
Em consequência, a longa faixa litoral que se desenrola do Minho ao Algarve é hoje um território devastado – uma infindável Mariupol onde alguns milhões de refugiados vindos do interior e do terceiro-mundo se acumulam em condições precárias e sub-humanas.
Não é exagero concluir que entre nós vigora, de facto, um regime político fundamentalmente empreiteirial. Assente, não na sustentabilidade ambiental, económica, social e cultural do país, mas num perigoso endividamento das famílias, das empresas e do Estado.
Trata-se no fundo de um regime dominado por uma elite extractiva de mestres-de-obras (incluindo naturalmente os patrões da grande indústria da construção), agiotas legais especializados no crédito para habitação e obras públicas praticamente inúteis, infrequentáveis oligarcas partidários e uma infinidade de caciques municipais. Gente cujo único ideal público consiste em acabar de cimentar Portugal.