Em março de 2021, as principais praças e ruas das cidades de Portugal acordaram engalanadas com o símbolo do PCP: a bandeira vermelha com a foice, o martelo e a estrela. A estratégia que, em tempos de pandemia e confinamento, o partido encontrou para comemorar o seu centenário. Uma forma de visibilidade destinada a fazer prova de uma vitalidade pouco consentânea com os sucessivos resultados eleitorais.

Centenário que mereceu os parabéns de um vasto leque de personalidades que agradeceram ao PCP o contributo do partido para a construção da democracia em Portugal.  Um coro no qual me recuso integrar. Os anos de investigação dedicados à temática não me permitem considerar o Partido Comunista Português como um dos construtores do regime democrático que vigora em Portugal.

Julgo que não valerá a pena insistir em episódios de que o PCP foge como o diabo da cruz. Como quando uma voz comunista propôs a venda das colónias, com as populações incluídas, para com o dinheiro da venda promover o desenvolvimento do país. Ou quando alguém do partido aconselhava os portugueses a irem para África pastorear a pretalhada ignara. Também não valerá a pena analisar a forma como o PCP tem convivido com a  crítica interna. Ou os ajustes de contas a que o partido recorreu quando suspeitou que algum dos seus militantes era informador da PIDE. Tudo isso faz parte do passado de um partido que se diz com paredes – que muitos dizem telhados – de vidro. Um passado em que reconheço que o PCP, apesar de condenado à clandestinidade, constituiu a principal força de oposição ao Estado Novo.

Não desconheço que muitos dos seus militantes e simpatizantes foram severamente torturados e que alguns acabaram por morrer devido às sevícias sofridas. Pesquisei in loco sobre o Tarrafal, Caxias e Peniche. Revoltei-me contra as atrocidades cometidas pela polícia política. A desumanidade nunca faz sentido.

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Só que este ativo oposicionista à ditadura – sim, o Estado Novo foi um regime ditatorial ou autoritário – feito em nome da liberdade tinha subjacente o desejo de imposição de uma outra ditadura. A URSS como modelo e mão protetora. Uma visão patrimonialista. A elite comunista a ocupar o lugar da elite salazarista.

Um projeto que o PCP, mesmo depois da derrota eleitoral em 25 de Abril de 1975, só não levou avante devido ao revés sofrido a 25 de novembro desse mesmo ano. O acontecimento-chave para o estabelecimento da democracia em Portugal. Uma democracia que só deixaria de ser tutelada na sequência da revisão constitucional de 1982. Uma leitura que o PCP nunca aceitará subscrever.

Para o Partido Comunista Português o 25 de Abril serviria para a sovietização de Portugal. A URSS tinha sempre razão. Daí que Álvaro Cunhal tivesse seguido o exemplo de Fidel Castro relativamente ao apoio aos tanques que atropelaram a Primavera de Praga. Por isso, na fase de quase anarquia que se seguiu ao golpe de estado, a ocupação de fábricas qualquer que fosse a forma como estavam a ser geridas. Daí a expropriação de terras, mesmo que um simples rendeiro fosse confundido intencionalmente com um latifundiário. Nacionalizar e coletivizar tornaram-se os verbos diletos do PCP. Os anátemas «fascista» e «reacionário» desceram sobre todos aqueles que ousavam desafiar o processo revolucionário em curso. A coberto da defesa da liberdade, o PCP procurou instalar uma forma revisitada de censura. O regresso à ditadura do pensamento único. Um caos a que o 25 de novembro pôs fim. Não admira, pois, a repulsa do PCP pela data.

Aliás, neste ano de centenário, não parece abusivo afirmar que o Partido Comunista Português ainda não teve tempo para ver desabar o muro de Berlim e aceitar a implosão da URSS. A ortodoxia continua a ditar a lei. Ao arrepio dos ventos da História. Aqueles que o PCP acredita ser capaz de domar. Por isso continua a ver-se como a vanguarda do povo, o lídimo representante dos trabalhadores. Mesmo que cada vez menos trabalhadores se revejam no projeto do Partido Comunista Português.

O caminhar na idade costuma traduzir-se num acréscimo de respeito. Só que, apesar de centenário, o PCP não tem sabido envelhecer. Continua teimosamente agarrado a um passado anunciador de amanhãs que cantam. A sina do populismo totalitário.