A noite eleitoral das últimas legislativas trouxe uma surpreendente maioria absoluta para o PS, ferverosamente festejada pela generalidade dos socialistas. No entanto, a cara de desolação de Pedro Nuno Santos mostrou bem que nem todos ficaram contentes. O plano do Ministro mais à esquerda do PS implicava a construção de uma nova geringonça que só ele podia liderar e que ficou quase 5 anos adiada. Acresce que esta legislatura tinha-o colocado numa posição secundária, visto já não ser necessária a sua capacidade de consenso à esquerda e a sucessiva ordem dos dias ter jogado a favor de Medina e Temido.

A gota de água foi o último Conselho de Estado em que com António Costa fora de Portugal, Mariana Vieira da Silva foi chamada para o substituir no papel e o “enfant terrible” do PS não podia suportar mais ser colocado em segundo plano. Seguindo o ditado de que “quem não é visto não é lembrado”, Pedro Nuno Santos teve de voltar à ação e mostrar que com Costa fora é ele que lidera as tropas, lançando-se por conta própria numa solução para o eterno problema do novo(s) aeroporto(s) de Lisboa. E mesmo, sem avisar Costa ou Marcelo passou a noite em entrevistas televisivas, acabando a noite como alguém capaz de resolver problemas milenares.

O timing era ainda melhor, visto permitir entalar Montenegro antes do Congresso do PSD, expondo a sua inoperância neste primeiro mês após ser eleito e ainda retirar da agenda os problemas na saúde. Com estas condicionantes, o Ministro da TAP, Aeroportos, Comboios e Habitação colocou-se em posição de reforçar o seu poder já ou ficar mais livre para liderar no futuro. No entanto, faltou-lhe a coragem para bater com a porta, sujeitando-se a um momento humilhante que lhe vai marcar o percurso político, tendo considerado que é demasiado cedo para sair e iniciar o processo de arregimentação de tropas.

Os últimos debates parlamentares mostraram uma oposição de esquerda apagada, com lideres claramente do passado e sem chama, o que contrasta com um desfecho eleitoral em que muitos eleitores de esquerda desviaram o seu voto para o PS. Tal como BE e PCP perceberam no fim do ano passado, que ou escolhiam estar do lado da contestação ao governo ou ficavam sem programa para os anos seguintes, Pedro Nuno Santos quer ficar na foto como alguém com rasgo e capaz de romper o inconformismo reformista do atual governo.

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Assim, surge um reformista envergonhado no grupo dos 4 possíveis sucessores de António Costa, alguém capaz de apostar o seu futuro político no insucesso do governo. Uma aposta arriscada, mas muito provavelmente acertada, de alguém que olhando para o histórico do PS percebeu que é hora de saltar do avião na esperança de um dia aterrar em terra firme. Mesmo tremendo na hora de assumir as responsabilidades, se daqui a uns meses ou anos a solução a avançar para o novo aeroporto for aquela que ele apresentou, muitos irão pensar que ele teve razão antes do tempo e cada turista perdido será por si capitalizado.

Neste momento, constato que o PS já está devidamente posicionado em duas frentes, para além da natural solução de continuidade temos o plano de fuga para uma Geringonça 2.0. A solução natural que aposta no sucesso do governo e que passa a ter 3 sucessores naturais (Fernando Medina, Ana Catarina Mendes e a preferida Mariana Vieira da Silva), pretende passar as agruras da atual governação, confiante que o PRR e restantes fundos europeus serão suficientes para evitar que o barco se afunde. Apostada no natural cansaço governativo teremos a via Geringonça 2.0, liderada por Pedro Nuno Santos, apontando para um passado virtuoso de recuperação de rendimentos e paz social.

Podemos vir a confirmar a teoria de que o país gira em torno do PS, ao ponto de ser dentro dele que se faz a oposição. Isolado dos restantes candidatos à sucessão de Costa, temos alguém preparado para capitalizar os insucessos, sendo que acabamos de assistir a um episódio determinante para a redenção socialista perante as amarguras que os próximos anos nos trarão. Onde hoje pensamos ver um descalabro para o governo, estamos a ver o plano de fuga de 2024 ou 2026 e uma oposição que não seja capaz de desmascarar esta estratégia vai acabar derrotada por ela.