A política está a viver um momento de viragem. A tendência, em Portugal e na Europa, é que os partidos moderados, para conseguirem governar, tenham de negociar apoios parlamentares com partidos populistas e extremistas.

A desilusão com os partidos moderados devido aos problemas socioeconómicos e aos casos de corrupção aproximou uma parte da população aos discursos de protesto e antissistema.

As pessoas culpam os partidos moderados pelo estado das coisas e colocam em causa os órgãos de soberania (Assembleia da República, Presidente da República, Governo e Tribunais).

Mas o que dizem os números em relação ao estado do país?

  • A economia portuguesa deverá crescer 2,7% em 2023, 2,4% em 2024 e 2,3% em 2025, pelo contributo das exportações e do crescimento do rendimento disponível real (dados do Banco de Portugal).
  • Os salários aumentaram 6,7% no segundo trimestre deste ano e registaram-se aumentos reais nas remunerações desde novembro de 2021 (dados do INE).
  • A carga fiscal atingiu o máximo histórico desde o ano 2000 (em percentagem do PIB), mas Portugal é o nono país da União Europeia com a menor carga fiscal (abaixo da Polónia, Espanha, Grécia ou Itália) (dados do INE).

Do ponto de vista do governo, o país está a crescer, a dívida pública está a diminuir (ficará abaixo dos 100% no próximo ano) e o número de desempregados está no valor mais baixo dos últimos 20 anos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Do ponto de vista da população, os salários são baixos, a carga fiscal e o custo de vida continuam a aumentar (em agosto a prestação dos contratos de crédito à habitação aumentou 41% em termos homólogos).

Apesar destes resultados, “(…) o salário de metade dos portugueses não chega para as despesas”, segundo o Barómetro Europeu sobre a Pobreza e Precariedade.

Se o modelo da próxima década for o de “baixos salários e impostos elevados”, o fosso social continuará a aumentar, e os portugueses ficarão cada vez mais desmotivados com o futuro e próximos de partidos populistas e extremistas.

A palavra “crise” volta a estar nas nossas vidas e chegámos a um momento em que as pessoas estão cansadas de trabalhar para apenas pagar as despesas.

Para o país saír desta situação, os líderes políticos do campo da social-democracia devem explorar consensos de médio e longo-prazo.

O interesse nacional deve aproximar o PS e o PSD para um entendimento sobre o modelo de desenvolvimento económico para as próximas duas legislaturas, e em especial sobre as reformas necessárias.

Nenhum moderado quer um Estado asfixiante ou um Estado sem proteção social, e é no campo do centro esquerda/direita que o país, agora como no passado, voltará a encontrar soluções para os desafios.

É preciso baixar impostos, melhorar a gestão das empresas públicas, valorizar as carreiras da função pública, aumentar salários e continuar a desenvolver condições para os empresários investirem em Portugal.

Portugal deve ser conhecido pela qualidade da educação, da ciência e da inovação, e não pela “competitividade” dos salários. Uma economia de baixos salários não garante um futuro próspero ao país.

Pouco importam as polémicas do Conselho de Estado, os ensaios normativos sobre como ser um bom primeiro-ministro ou se o primeiro-ministro é um “otimista irritante”.

A abordagem clássica do “nós ou eles” apenas favorece os partidos porque é a plataforma que os segura no poder e que alimenta o sentimento de ataque/defesa dos seus apoiantes mais fervorosos.

O essencial é que os portugueses precisam de melhorar substancialmente as condições de vida, e para isso acontecer necessitamos líderes que sobreponham o interesse nacional aos resultados eleitorais e/ou ao populismo.

Espero que o PS e o PSD tenham líderes à altura dos desafios do país, da Europa e do mundo. As novas figuras que se estão a posicionar para funções ao mais alto nível devem abandonar a abordagem clássica do “nós ou eles”.

Um verdadeiro líder é fiel à sua identidade, aos seus valores e sabe defender o interesse nacional acima dos interesses partidários que existem num determinado momento.

Um falso líder, desconfigura-se e cede ao populismo, até chegar à conclusão que a sua afirmação, dentro e fora do partido, está em causa pela falta de consistência do discurso e das decisões em cada momento.

O primeiro pensa no longo prazo e no futuro do país, o segundo no curto prazo e no seu próprio futuro.

Os próximos anos serão desafiantes mas confio nos valores, na sensatez e na liderança das novas gerações que gradualmente assumem um papel ativo e determinante na política nacional.