Corria o ano de 2007 quando Ricardo Azevedo, na altura com 30 anos de vida, cantava que, para concretizar os seus sonhos, tinha apenas de virar a vida de pernas para o ar e procurar uma casa para morar. Sonhava com um pequeno T2, onde pudesse viver a dois, com vista para o mar e um jardim. Em 2023, para um jovem de 30 anos, o sonho é quase impossível e, quando ousa sonhar, já só vislumbra um T1 sem vista, num prédio sem elevador, a 1h do seu local de trabalho.
O acesso à habitação, ou melhor a falta de acesso a habitação, é um dos principais flagelos que assola a minha geração e representa um verdadeiro muro no meio da estrada do desenvolvimento e da emancipação, levando a que Portugal seja o país da União Europeia em que os jovens saem mais tarde de casa dos seus pais, com uma média de 33,6 anos.
A escalada dos preços das casas (quer no mercado de aquisição, quer no mercado de arrendamento) associada a salários que, para os mais novos, são absolutamente insuficientes para permitir o início da sua vida independente, tem contribuído para criar uma geração inteira de jovens trabalhadores presos à casa da partida, num jogo de tabuleiro em que os dados estão viciados em benefício dos que jogam há mais tempo.
Nesta geração que iniciou agora o jogo da vida adulta, 72% recebem menos de 950€ líquidos por mês de trabalho. Ora, se este valor seria já preocupante há dois anos, com a inflação que tem retirado mensalmente poder de compra à grande maioria de nós este valor é verdadeiramente aterrador.
Com vencimentos estáticos ou com crescimento inferior à taxa de inflação, e com o aumento das taxas de juro aplicáveis aos créditos habitação, a dificuldade no acesso à habitação tem tendência a agravar-se.
Agravar-se-á, de forma direta, para aqueles que ousam sonhar com a aquisição da sua casa, uma vez que será mais difícil conseguirem poupar o dinheiro suficiente para suprir as despesas iniciais de um processo de compra de casa (Capitais Próprios para entrada inicial, Imposto Municipal sobre Transações Onerosas de Imóveis, Imposto de Selo e demais custos devidos aquando da escritura) e, mesmo que consigam, serão forçados a um esforço crescente para cumprirem mensalmente com as suas obrigações.
Por outro lado, agravar-se-á de forma indireta para os que optam por arrendar o espaço onde habitarão temporariamente, porque o aumento dos custos para os proprietários resultará, em circunstâncias normais, num aumento das rendas para os arrendatários dos imóveis.
Per se, as dificuldades de acesso à habitação pela “geração mais qualificada de sempre” seriam um problema cuja resolução era da maior urgência. Se a isso acrescentarmos a problemática da fraca natalidade, do envelhecimento galopante da nossa população e, consequentemente, do perigo em que se encontra o sistema de segurança social, que é pedra basilar neste país, então estamos à beira de uma tragédia anunciada.
Em 2022, a idade média da mãe no momento do nascimento do seu primeiro filho era de 30,9 anos, o que espelha, mais uma vez, as dificuldades que esta geração enfrenta para dar o passo em frente.
Como consequência, em Portugal, a taxa de envelhecimento diz-nos que existem 182 idosos para cada 100 jovens e, se tivermos em atenção a evolução deste indicador, consciencializamo-nos que somos o país da União Europeia que está mais rapidamente a envelhecer.
Parece evidente que estamos em crise.
Uma crise em que temos emprego. Uma crise em que temos salário. Uma crise em que temos uma ocupação profissional dentro da nossa área de estudos e, mesmo assim, não temos, enquanto geração, condições para sair de baixo das saias da mães e partir em busca da independência e do nosso próprio projeto de vida.
É tão evidente que é de uma verdadeira crise que se trata, e que a consciência dessa crise chega agora às bocas do mundo, que o mesmo Primeiro-Ministro que durante quase 8 anos nada mais fez que anúncios vazios de conteúdo prático e cujos efeitos positivos ainda hoje desconhecemos, veio agora anunciar o “Mais Habitação” como se fosse este programa a salvação.
Se é verdade que há algumas medidas aceitáveis relativamente à facilitação do licenciamento e redução fiscal, não é menos verdade que a larga maioria das medidas apresentadas são absolutamente inconsequentes e, para além disso, representam um passo perigoso na relação entre o Estado e quem tem mais que uma casa.
Nesta fase, é preciso fazer mais para garantir, por um lado, um aumento significativo da oferta no médio prazo e, por outro, a capacidade imediata de os jovens acederem a habitação.
Do lado da oferta é urgente desburocratizar os processos de licenciamento, diminuir impostos para quem constrói, diminuir significativamente o IRS a pagar por quem coloca o seu imóvel no mercado de arrendamento (e não apenas para quem o faz em regimes de longa duração), utilizar o património devoluto do Estado para criar bolsas habitacionais públicas em regime de arrendamento a custos controlados e garantir que o Estado investe na aquisição de imóveis para posterior disponibilização para arrendamento a custos acessíveis.
Já no que diz respeito à necessidade de garantir, no imediato, que os jovens conseguem aceder a habitação é urgente fazê-lo em dois vetores: nos apoios à aquisição e nos apoios ao arrendamento.
Em relação ao arrendamento, o Estado deve reformular o Porta 65, facilitando o acesso ao programa e atribuindo apoio em percentagem do valor da renda diretamente ao requerente, sem concursos ou outras limitações.
Finalmente, no apoio à aquisição, está na altura de o Estado ser mais arrojado. Tempos desesperados exigem medidas desesperadas e, como vimos, as dificuldades no acesso à habitação por parte da juventude deste país são, indubitavelmente, um sinónimo de tempos desesperados.
Está na altura de o Estado apoiar de forma evidente a aquisição por parte desta geração eternamente adiada e constantemente em crise, discriminando-os positivamente.
Está na altura, de forma temporária e como resposta à crise da habitação, de acabar com o IMT e o Imposto de Selo para todos os jovens que queiram adquirir o seu primeiro imóvel para habitação própria permanente.
Está na altura de, garantindo sempre o cumprimento das demais medidas macroprudenciais do Banco de Portugal, o Estado promover um programa de apoio aos capitais próprios exigidos para a aquisição da primeira habitação própria permanente, garantindo que um jovem que queira comprar a sua primeira casa não é forçado a ter, à partida, uma poupança que muito poucos conseguem ter nos primeiros anos da sua vida profissional.
A minha geração não pede casas com vista para o mar. A minha geração exige a possibilidade de sair de casa dos seus pais ao mesmo tempo que os nossos amigos dos restantes países da União Europeia. A minha geração exige que o Estado não lhe falhe mais uma vez e que garanta a possibilidade de iniciar o projeto de vida adulta quando seria normal iniciá-lo.
A minha geração exige, apenas, um pequeno T2.