Não há nada de errado em aspirar a ser perfeito (a) e, se não chegarmos lá, não é grave, nem necessariamente uma tragédia. Contudo, ambicionar ficar acima da média, que pode ser para muitos de nós um “poucochinho”, pode ser mais eficaz do ponto de vista psicológico, porque é mais realista e alcançável.

O que não é muito saudável é exigir a si próprio o perfecionismo e implicar querer ser  sempre perfeito. Esta forma de vida pode ser uma verdadeira “montanha russa” de altos e baixos imprevisíveis, colocando desproporcionadamente os níveis de ansiedade permanentemente elevados. Por outro lado, se não formos perfeitos, pode levar a uma sensação de frustração que, caso se mantenha muito tempo, pode gerar pensamentos automáticos do tipo “não sou suficientemente bom”, “sou um inútil” e por aí fora.

Há alguma discussão sobre se o perfecionismo pode afetar a performance. Para a maioria dos psicólogos a resposta é sim, pode impactar positivamente, sobretudo em alta competição, nas artes, nos exames ou mesmo nas produções mais pessoais. Mas, por outro lado, tal pode afetar negativamente as relações interpessoais (incluindo as relações sexuais), quando o elevado estado de ansiedade se revela inadequado para situações onde se querem momentos de compreensão, de compaixão e até mesmo de aceitação dos erros de cada um, assim como também das nossas próprias limitações.

É bastante  consensual o efeito do perfecionismo na dificuldade crónica de tomar decisões. O medo de cometer erros, a autocrítica e a dúvida constantes sobre o que pode acontecer chegam a ser paralisantes, podendo mesmo desencadear muita procrastinação ou comportamentos de evitação. O medo de falhar pode prejudicar a nossa qualidade de vida, em muitas e diversas formas. Esse medo pode ser tão paralisante que impede de começar uma tarefa. Por outro lado, adiar constantemente pode parecer uma maneira de evitar temporariamente a possibilidade de fracasso.

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Se pensarmos em termos de perfecionismo disfuncional, excessivo e mal adaptado, encontramos três grandes tipos, que podem ocorrer pontualmente e moderadamente nas nossas vidas, ou até chegar a formas mais repetitivas de comportamentos com alta carga emocional:

  1. Perfecionismo obsessivo. O exemplo mais típico é o de alguém que não suporta a sujidade e passa o tempo a limpar a casa e a lavar as mãos, protegendo-se excessivamente do contacto físico de outras pessoas e de locais “contaminados”, levando a cabo uma eternidade de rotinas de verificação de tudo que lhe é próximo. Neste tipo de perfecionismo estão também incluídos os comportamentos de natureza moral ou existencial onde o enviesamento e o desequilíbrio de padrões de justiça social, ou do que é politicamente correto, interferem de tal maneira que chegam facilmente a padrões insuportáveis para os próprios e também para quem nos rodeia.
  2. Perfecionismo narcísico. Encontra-se nas pessoas que vivem permanentemente a verificar se a realidade se confirma face aos seus pensamentos, valores e preferências. Acabam sempre por ser “vencedores”, porque a sua interpretação da realidade é filtrada de tal forma que todos os sinais que encontram confirmam a sua leitura das coisas, não aceitando, e combatendo mesmo, tudo e todos que se possam opor, contrariar ou desrespeitar o seu posicionamento sobre a realidade passada, atual e futura.
  3. Perfecionismo intranquilo. É muito frequente nos dias de hoje. Trata-se do desejo obsessivo de que as coisas más não podem acontecer e que é preciso fazer tudo para as prevenir e antecipar, de maneira a que “tudo corra bem”. Uma ansiedade generalizada ligada a tudo, do mais simples ao mais complexo: o carro que ficou mal estacionado, se os miúdos estão bem em casa, se o chefe gostou do que disse na reunião, da discussão com o marido que pode levar ao fim da relação, de uma ferida com mau aspeto que poderá ser do tipo oncológico, da apresentação marcada para o final do mês que tem que correr mesmo bem, etc. Uma preocupação permanente com tudo e com nada. A sensação de falta de controlo provoca uma ansiedade generalizada, que por sua vez gera um sentimento de mal-estar permanente e insuportável.

Eu diria que todo o tipo de perfecionismo crónico pode gerar problemas de auto-estima, na medida em que não se atingem sistematicamente os níveis de exigência. Mais tarde ou mais cedo a pessoa começa a ter problemas de auto-compaixão e a descuidar-se em relação ao seu amor próprio e poderá mesmo “ir-se abaixo”.

Um dos grandes impedimentos de uma boa auto-estima é precisamente a exigência de perfeição. Quantos de nós fomos “forçados” a ser perfeitos na nossa infância? Na escola, na carreira, na vida social e até na nossa aparência física? Na senda da perfeição não permitimos a nós próprios qualquer tipo de falhanço e temos dificuldades em assumir os nossos erros. Esta contínua e desmesurada exigência pessoal impede o merecido gozo de uma vida de satisfação. É terrível porque, mesmo quando atingimos um objetivo, achamos que o nosso melhor nunca é conseguido!

O problema é que o auto-castigo continuado e o medo de falhar afetam a nossa confiança pessoal e levam-nos a arriscar menos. Se quisermos ser felizes, teremos que abandonar o perfecionismo, apreciar o esforço e o processo, aceitar (e honrar) que o nosso “melhor” é suficiente. A perfeição pode nunca chegar, porque tendencialmente é inatingível. É uma ilusão. Por outro lado, a perfeição pode nunca chegar para as nossas necessidades de amor próprio e aceitação daquilo que somos.

Recomenda-se vivamente a vigilância das crenças que criamos para nós próprios de que “temos que ser sempre os melhores”. Também dar atenção de que tudo nem sempre é “preto no branco” ou que algumas generalizações não nos ajudam a ser flexíveis.

Melhorar a nossa auto-estima requer paciência e tempo. Começa por nos cercamos de pessoas que nos aceitam como somos, por nos habituarmos a desafiar os nossos pensamentos auto-críticos e da permanente comparação com os outros. Aceitar as derrotas e os sucessos da mesma forma, e que nenhum resultado, seja qual for, determina ou define o nosso valor e a qualidade intrínseca da nossa pessoa.