Esta foi a resposta que a funcionária do Centro Nacional de Pensões (CNP) deu quando lhe apresentei o meu pedido de reforma antecipada por desemprego de longa duração, depois de 40 anos de carreira, 25 anos a trabalhar por conta de outrem e 15 como profissional liberal (psicólogo no regime de trabalhador independente). Durante estes 40 anos  descontei sempre para a Segurança Social (SS), sem qualquer interrupção, à exceção dos dois últimos anos com subsídio de cessação de atividade (equivalente a subsídio de desemprego) por ter perdido o principal cliente durante a pandemia COVID-19.

Os diversos organismos da Segurança Social não eram coincidentes nem coerentes em relação aos meus pedidos de esclarecimentos sobre este assunto durante 2021. Depois de várias respostas por escrito e verbais via SS Direta reafirmando que “Pode pedir a pensão a partir dos 57 anos após esgotado o subsídio de desemprego com redução de 0,5% por cada mês de antecipação em relação aos 62 anos”, lá veio um e-mail a dizer que afinal a minha questão era “complexa” pelo que foi reportada ao “nível superior”.

Entretanto, contactei a Provedoria da Justiça que simpaticamente me inquietou dizendo que “não tem direito porque não é trabalhador por conta de outrem”. Mas que ficasse a saber que é algo que a Sra Provedora já tinha identificado como configurando um tratamento desigual a contribuintes da SS pelo facto de terem um estatuto profissional diferente. Acrescentaram que o Governo e a Assembleia da República estavam, já há algum tempo, devidamente informados deste tratamento injusto a uma população trabalhadora,  por não ter uma relação contratual “subordinada” como os trabalhadores por conta de outrem.

Nesse hiato, esta coisa da “relação subordinada” foi mencionada no animado debate sobre o estatuto dos profissionais liberais no âmbito do 1º Forum de Profissionais Liberais organizado pela Associação Nacional de Profissionais Liberais (ANPL), no Porto em setembro de 2023. O deputado do PS – Tiago Barbosa Ribeiro alegou, em modo de desculpa, que era preciso fazer uma grande reforma da Segurança Social para acolher os profissionais liberais. Segundo ele o espírito do sistema atual é muito assente na relação de trabalho subordinada e na contratação coletiva.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Portugal deve ser dos poucos países da OCDE que discrimina ativamente as pessoas pela natureza do seu vínculo laboral. Os trabalhadores independentes  pagam impostos e contribuem para a SS, mas não têm os mesmos direitos  em termos de proteção social (e.g. na maternidade, no desemprego, na reforma), que  têm todos os trabalhadores por conta de outrem.

Quando recebi do CNP o veredito final em relação às minha dúvidas, confirmou-se aquilo que mais temia, que mais me repugnava e que mancha de injustiça e profundo desrespeito por uma população de quase 1 milhão de portugueses que junta advogados, jornalistas, artistas, músicos, psicólogos, médicos dentistas, contabilistas, consultores e tantos outros trabalhadores independentes como cabeleireiros, feirantes, administrativos, estafetas, motoristas, etc.:

“Informamos que os trabalhadores independentes economicamente dependentes não têm direito à Pensão de Velhice antecipada por desemprego de longa duração, de acordo com o art.º 16 do Decreto-Lei n.º 12/2013, de 25 de janeiro, na redação atual.”

Escrevo este artigo em período pré-eleitoral, na esperança de que as forças políticas em disputa tenham consciência desta barbaridade numa democracia que vai festejar os seus 50 anos, mas que teima, em muitos aspetos, a reproduzir um misto de segmentação de classes da ditadura com dogmas de que a luta de classes entre operários e patrões como os únicos referenciais de uma sociedade moderna, digital, diversificada em termos de novas formas de trabalhar e prestar serviços.

Também espero contribuir para que os profissionais liberais, aqueles que entretanto não conseguiram “ficar ricos”, tomem consciência desta discriminação a que estão sujeitos, e que os prejudica pesadamente. Que exijam às forças políticas que sejam finalmente tratados com dignidade e equidade, tal como manda a Constituição da República e com a decência de uma verdadeira democracia liberal europeia do século 21.