A sensação de perigo iminente, de “clear and present danger”, vai-se espalhando pela Europa. Agora não são só os ventos de guerra, a Leste e a Sueste do Continente, na Ucrânia e no Médio Oriente, é também todo um alarmismo belicista, accionado para criar inquietação e medo entre os europeus, tornando-os mais dóceis à vontade do poder instituído através da manipulação e do controlo da opinião.

Emmanuel e o lobo

Bem clara nesta linha foi a entrevista de Emmanuel Macron ao semanário inglês The Economist, que fez a capa da edição de 4-10 de Maio 2024 com o título “Europe in Mortal Danger”. Nela, o Presidente francês vai desenterrar Marc Bloch, o medievalista da Escola dos Annales que, antes da guerra de 39-45, alertou os seus compatriotas para o perigo da Alemanha de Hitler. Bloch foi membro da Resistência e fuzilado pelos ocupantes em 1944. Macron quer, com isso, equiparar Putin a Hitler e chamar a atenção dos europeus para o perigo russo: uma vez vencida a guerra da Ucrânia, Macron já antevê Putin a lançar as tropas à conquista do resto da Europa, qual émulo dos hunos de Átila, das divisões napoleónicas, ou das Panzer alemãs.

Outro perigo a que Macron alude – e este bem mais realista – é o do recuo económico da Europa perante os Estados Unidos e a China, que claramente ultrapassaram ou estão a ultrapassar a Europa em inovação e produção industrial.

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Finalmente, o terceiro grande perigo, o perigo claro e imediato a que o Presidente francês quer chegar em véspera de eleições, é o ressurgimento do nacionalismo, do populismo, da extrema-direita. É a perfeita mensagem de propaganda eleitoral encriptada à boca das urnas, citando Bloch, uma figura histórica de prestígio que nada tem que ver com o actual presidente francês, avançando outra vez para o paralelo Hitler-Putin para, por fim, insinuar que os seus adversários políticos da União Nacional são traidores. Quando as sondagens para as Europeias de 9 de Junho dão o Rassemblement de Marine Le Pen largamente à frente, quer da Renaissance de Macron, quer das esquerdas socialistas e radicais, é este último perigo, o mais “claro e presente” e o mais próximo, que o inquilino do Eliseu até 2027 verdadeiramente teme, juntamente com os seus centristas, com os socialistas e com a União das Esquerdas de Jean-Luc Mélanchon.

E para o combater, para combater a perigosa extrema-direita que ameaça o planeta, o mundo, a França, enfim, Macron, as medidas têm mesmo de ser extremas. Porque não seguir o exemplo americano e usar em França os tribunais como arma moderadora da vontade popular? O Conselho Constitucional, presidido por Laurent Fabius, já deu o primeiro passo, pondo causa uma proposta de Le Pen para um referendo sobre a imigração.

O caso não é para menos: se as sondagens para as europeias dão o Rassemblement com 33%, muito à frente da Renaissance e do La France Insoumise, a diferença aumenta substancialmente entre os eleitores mais jovens, os que têm entre 18 e 24 anos. Assim, no Barómetro Eurotrack da Opinionway, Valére Hayer, cabeça de lista da macronia, só contaria com 7% dos eleitores dos 18 aos 24 anos. Em comparação, o cabeça de lista do Rassemblement, Jordan Bardella, que sucedeu a Marine Le Pen na presidência do partido, tem 41% das intenções de voto dos mais jovens. Se pensarmos que foi para atrair os eleitores mais jovens e contrariar Bardella que Macron foi buscar para primeiro-ministro Gabriel Attal, resta-nos concluir que Attal é um jovem que não consegue impressionar os jovens.

França, espelho da Europa?

Perante as negras perspectivas, Macron vê-se forçado a dramatizar o discurso sobre a Europa, escalando a linguagem alarmista e falando em “ameaça mortal”. Entretanto o seu antigo primeiro-ministro, Édouard Philippe (que é, por agora, o único candidato a conseguir um empate frente a Marine Le Pen numa hipotética segunda volta em 2027), chamado em reforço, explica com as redes sociais o “embrutecimento do povo”, impedido de ver a luz da razão e da moderação representada pelo poder instituído: “A razão europeia está ameaçada de morte […] quando as opiniões públicas estão embrutecidas pelas redes sociais”.

A campanha destas decisivas eleições europeias está também a radicalizar-se à esquerda: nas celebrações do 1º de Maio, Raphaël Glucksmann, o cabeça de lista do Partido Socialista Francês, foi insultado, agredido e impedido de participar no desfile da Esquerda por uma meia centena de manifestantes, militantes do La France Insoumise. A agressão foi precedida por uma campanha nas redes sociais acusando-o de ser “o cavalo de Troia dos americanos” e “um agitador da CIA na Europa”.

O ódio dos “insubmissos” a Glucksmann, acusando-o de dividir a Esquerda, deve-se sobretudo à vantagem que leva nas sondagens, podendo mesmo vir a ficar à frente dos macronianos.

Aqui a França parece funcionar, mais uma vez, como espelho da Europa, com uma direita nacionalista, dividida em dois grupos, em franco crescimento no Parlamento Europeu.

Daí a campanha orquestrada pela União, em que à “inteligência artificial” dos algoritmos politicamente correctores se junta a “estupidez natural” dos eleitores politicamente corrigidos.

Num último parêntesis, lembro apenas que, nas vésperas do 25 de Abril, o grande perigo para o governo de Marcelo Caetano era um “golpe de extrema-direita”, uma das razões que levou os órgãos e instrumentos do poder a fomentar a divisão no corpo de generais.