Este ano, o Natal veio mais cedo, graças ao colapso do preço do petróleo de 114 dólares o barril para 61. Na Grã-Bretanha, com o custo da gasolina a descer, muita gente já resolveu trocar o comboio pelo automóvel para as suas deslocações de Natal. Mas nem todos as previsões são auspiciosas. A indústria de petróleo do Mar do Norte, dependente de preços altos, já antecipa 37 000 despedimentos (10% dos empregados). É curioso pensar que ainda em Setembro, os nacionalistas escoceses contavam com as plataformas petrolíferas para pagar uma eventual independência. Era também quando todos esperavam que Vladimir Putin usasse a chantagem energética para liquidar as sanções ocidentais. Tudo mudou em poucos meses.

O petróleo tem sido o sangue deste mundo. Justificou guerras, criou maneiras de viver, manteve regimes, inspirou filosofias. É por isso natural que tanta gente ande a perguntar o que vai acontecer com a descida dos preços.

“In vino veritas”, diziam os antigos. Para as nossas sociedades, talvez a verdade esteja no petróleo. É possível contar a história do mundo nas últimas décadas a partir dos preços do crude. O petróleo barato das décadas de 1950 e de 1960 facilitou a industrialização das chamadas “periferias” e as mutações sociais e culturais desses anos. Sem o preço baixo do petróleo, nunca teria havido “The Beatles” nem o Estado social. Em 1973 e em 1979, os “choques petrolíferos” agravaram a inflação e precipitaram a crise do chamado “consenso social democrata”. Ronald Reagan e Margaret Thatcher foram um derivado ideológico do petróleo caro. Nos meados da década de 1980, a desvalorização do petróleo facilitou a expansão das economias ocidentais em articulação com a China, ao mesmo tempo que demolia as finanças da União Soviética e punha ponto final no comunismo europeu. Há quem se fique pelo preço do petróleo para explicar a queda do muro de Berlim em 1989.

Por enquanto, não há acordo sobre as origens desta aparente viragem. Os preços ruíram porque há menos procura, devido ao abrandamento na China e à estagnação na UE? Ou porque há mais oferta, por causa das explorações de óleo e gás de xisto nos EUA? Há quem, em vez de olhar para o mercado, prefira considerar os supostos interesses políticos dos produtores. Não estaremos perante uma conspiração da Arábia Saudita, produtor de baixo custo, para debilitar a Rússia e o Irão, produtores de custo mais elevado e seus rivais na Síria? Ou para tornar inviável o investimento americano no xisto? Neste momento, o mais prudente é fazer cruzinhas em todas as possibilidades. E se estamos assim quanto às origens, que dizer das consequências? Houve logo quem antecipasse a falência final dos autoritarismos petrolíferos da Rússia e da Venezuela, cujas divisas já se abismaram. Mas a desvalorização das indústrias de energias alternativas do Ocidente é outra hipótese.

A questão, porém, não é predizer o que vem a seguir. É, antes, compreender os limites de todas as conjecturas. Apesar da sofisticação dos nossos modelos e computadores, o mundo continua a conter uma quantidade suficiente de contingência e acaso para fintar os mais astutos prognósticos. Ninguém adivinhou que o preço do petróleo ia cair para metade em menos de seis meses, e ninguém sabe o que vai acontecer a seguir. No ambiente esquerdista da década de 1970, toda a gente esperou que o petróleo caro marcasse o fim do capitalismo: em vez disso, desacreditou a social-democracia.

Durante muito tempo, vivemos com ideologias que prometiam antecipar o futuro e com técnicas que nos garantiam o controle das coisas e das pessoas. Tanto as ideologias como as técnicas revelaram entretanto as suas insuficiências. A saga do petróleo é, a esse respeito, edificante. No Verão de 2008, a escalada dos preços levantou o espantalho da inflação. Para a evitar, os bancos centrais  aumentaram as taxas de juro e ao fazer isso, despoletaram a crise do “subprime” e acabaram por criar um novo fantasma, o da deflação. E agora? A depreciação do petróleo está a ser usada para legitimar as políticas de dinheiro abundante e barato com que muitos esperam reanimar o consumo e a produção no Ocidente. Não é de excluir, porém, que, ao tentar contornar mais uma atrapalhação, acabemos outra vez no meio de outra. O mundo continua a ser maior do que as nossas mãos.

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