Platão queixou-se de que os poetas queriam sobretudo ter uma carreira política; e defendeu que os filósofos estavam mais bem equipados para a tarefa.  As suas admonições, no entanto, não foram atendidas; e existe uma lista infinda de poetas, antigos, modernos e contemporâneos, cuja maior ambição foi justamente a de exercer tarefas que Platão achava que, enquanto poetas, não eram qualificados para exercer.

O modo tradicional de um poeta apresentar uma candidatura política costuma ser o de dar conselhos desassombrados a quem manda: dizer a verdade ao poder.   Outro grego antigo tinha também recomendado essa franqueza interesseira.  Os poetas cultivaram-na sempre com afinco; e as cartas abertas, as protestações e os abaixo-assinados foram-se acumulando.  O melhor caso português é o da longa carta em verso “A El-Rei nosso Senhor”, de Francisco de Sá de Miranda (1481-1558).  Nessa carta recomendou ao rei D. João III as vantagens de “antes quebrar que torcer”, e deu conselhos que parecem exemplos de virtudes nortenhas, por oposição às ideias políticas mais desmioladas da Corte.

Não é porém o caso que a reputação de Sá de Miranda como patego virtuoso e desconfiado seja inteiramente merecida.  A carta, sem deixar de ser uma espécie de candidatura, mostra que não tinha andado em novo por Itália apenas para promover a importação do soneto.   Na mesma altura, um italiano com ambições literárias tinha composto o modelo insuperado do formulário de candidatura de intelectuais cosmopolitas a cargos políticos: o curto tratado O Príncipe.  As ideias de Maquiavel andavam no ar, e é possível que anos depois, no Minho, Sá de Miranda se tenha lembrado delas quando escreveu ao rei.

O verso mais cosmopolita da carta é o dístico “Com duas canas diante, / Is amado, e is temido.”  Aparece no fim de uma disquisição sobre o amor dos súbditos pelos seus soberanos na Europa contemporânea; e nele, Sá de Miranda sugere que por via das dúvidas uma escolta militar assegura melhor esse amor.  Mas o ponto maquiavélico consiste em argumentar que pelo menos em matérias de política o amor requer o temor.  Cem anos depois o Padre António Vieira ainda não acreditava bem no que os seus olhos liam.  Num sermão por alma de D. João IV citou mal Sá de Miranda como tendo dito, mais banalmente, “is armado, e is temido.”

Vieira achava provavelmente que uns safanões a tempo, como um seu admirador tardio pôs as coisas, fariam os milagres; mas esta psicologia moral, embora também pessimista, não é tão subtil como a de Sá de Miranda.  Nunca como Sá de Miranda alguém voltou a sugerir nitidamente em Portugal que o amor ao soberano resulta do temor dos súbditos.    Os próprios soberanos tendem ainda hoje a acreditar nas explicações mais sentimentais, e em que são amados pelas suas virtudes.   De qualquer modo Francisco de Sá não conseguiu ter uma carreira política.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR