Vivemos tempos curiosos, tempos que exigem uma reflexão profunda e desafiante sobre o papel da política e da comunicação social em Portugal. Há algo de inquietante na maneira como os meios de comunicação se posicionam no espectro político, oscilando entre a direita, o centro e a esquerda conforme as suas raízes históricas, os conselhos de administração ou até os ventos que sopram do lado financeiro. Isso é feito, dir-se-á, muitas vezes de forma inconsciente; outras, de maneira deliberada. Mas qual é o efeito deste fenómeno na sociedade e na própria democracia?

A questão que emerge é: a quem serve a política, e a quem serve a comunicação social? Aristóteles, pai do pensamento político, definiu-a como a ciência da gestão da polis — do espaço público. Política não deveria ser um mecanismo de divisão, mas de união em torno do bem comum. No entanto, a contemporaneidade mostra-nos um cenário onde a política se vê transformada num palco de forças antagónicas, em que a verdade é frequentemente moldada, redimensionada e servida em fatias, de acordo com as conveniências do momento. O pluralismo, um valor essencial à democracia, transforma-se em confusão quando manipulado pelos filtros ideológicos e interesses da comunicação.

É precisamente esta a artimanha que coloca os que escrevem e os que dirigem a imprensa num patamar de responsabilidade inigualável. Hoje, as redações tornaram-se autênticos campos de batalha simbólicos, onde a linha entre o jornalismo comprometido e a manipulação da informação se torna ténue. O trabalho editorial, que deveria servir o público com isenção, parece, por vezes, responder a outros interesses. Estes interesses são como sombras que se projetam nas páginas dos jornais e nas emissões televisivas, silenciando ou amplificando certos temas, moldando narrativas, e muitas vezes relegando para segundo plano a essência da política: servir o coletivo.

O reflexo dessa dinâmica não é indiferente ao público. Vemos leitores e espectadores alinhando-se em torno de colunistas e jornalistas que expressam as suas preferências políticas de forma nítida, sendo rapidamente rotulados como “de esquerda”, “de direita” ou “de centro”. Parece que a pluralidade de pensamento se tornou, paradoxalmente, numa caixa de ressonância para as polarizações, oferecendo ao público um conforto ilusório. Em vez de um campo de ideias e reflexões, o debate político-mediático tornou-se numa arena onde as opiniões não procuram convencer pela força da razão, mas pela intensidade da retórica.

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A questão não se limita à preferência ideológica. Vivemos num mundo onde a desinformação alastra nas redes sociais e onde qualquer um, com um perfil online, proclama sabedoria e autoridade. A comunicação social deveria, portanto, erguer-se como o bastião da verdade. Deveria ser uma âncora de rigor e transparência. E, por isso, as redações, os editores e os diretores carregam um fardo pesado. São eles, e não outros, os guardiões da clareza, da integridade e da qualidade da informação. Têm um poder quase sacramental de decidir o que chega ao público e como chega, filtrando o que é essencial e rejeitando o que é banal ou, pior, distorcido.

Este compromisso com a verdade e o interesse público torna-se ainda mais premente numa era de desconfiança generalizada. A perda de confiança no jornalismo pode ter consequências desastrosas para a própria democracia, pois é nesse espaço de dúvida que o discurso demagógico prospera. Por isso, ao avaliar as políticas editoriais, devemos ponderar se estamos diante de um esforço sincero de oferecer ao cidadão as ferramentas para pensar de forma independente ou se, pelo contrário, estamos perante uma narrativa maquilhada que se serve do poder da comunicação para moldar preferências e atitudes conforme interesses ocultos.

Em vez de reduzirmos os assuntos públicos à polarização e à fragmentação ideológica, deveríamos cultivar uma sociedade onde a política é mais do que a soma das partes, entenda-se: esquerda, centro ou direita. Uma sociedade onde as questões essenciais são examinadas com a profundidade e a imparcialidade que merecem. O verdadeiro valor da informação está na sua qualidade ontológica: a coragem de ir além do imediato, de tocar a realidade com uma honestidade quase brutal, pois só a verdade, ainda que desconfortável, liberta de forma permanente.

Este é o momento de se desafiar a tendência política dos meios de comunicação e exigir mais do que espetáculos ideológicos. Os editores, como curadores da informação, devem recusar a tentação de ceder a favores e a jogos de poder. Se a política é, como Aristóteles nos ensinou, a ciência da polis, então o jornalismo é a arte de lhe dar voz. E uma voz distorcida não serve à democracia; serve a interesses. Que a informação permaneça ao serviço da verdade e que esta verdade, em última análise, seja a pedra angular de uma sociedade mais consciente, mais justa e mais humana.