Uma pessoa pode ser de esquerda e ser conservadora, assim como uma pessoa pode ser de direita e ser liberal. Prometo.
Em 1791, foi criada a Assembleia Nacional Legislativa em França, que se dividia em três grandes grupos: a direita (composta pelos girondinos, ou seja, monárquicos conservadores); a esquerda (ou seja, montanheses, composta por burgueses adeptos das ideias iluministas) e os restantes 345, que são para este texto irrelevantes. Passou a olhar-se, por este motivo, para as orientações políticas da esquerda para a direita, associando os “esquerdalhas” a liberais e os “direitolas” ao conservadorismo. Mas nasceu, nesta altura, o espetro político com dois eixos: o socioeconómico e o sociocultural. No primeiro, distingue-se a esquerda da direita por motivos económicos e no segundo, distinguem-se visões autoritárias de libertárias, segundo questões culturais. Diz a ciência política que esta disposição de ideologias é demasiado geral e, de facto, outros eixos têm vindo a ser propostos. Não obstante, as conversas políticas resumem-se sempre a “esquerda VS direita”. Deixemos o eixo vertical de fora desta discussão, por hoje, e foquemo-nos no horizontal, que é bastante mais famoso.
Sem me debruçar sobre literatura de filosofia política, e de uma maneira bastante simplista, permitam-me dizer que o que faz alguém “ser de direita” ou “ser de esquerda” é uma pequena decisão: “deve o Estado de intervir para redistribuir a riqueza?”. Consoante o nível de concordância ou discordância com esta afirmação, respetivamente, alinham-se as ideologias da esquerda para a direita. No entanto, e como anteriormente referi, isto é uma visão muito simplista, que não capta nem 1% daquilo que é o jogo de cadeiras e opiniões que compõe esta linda arte a que chamamos Política. Do mesmo modo, a ideologia é um conjunto de visões diferentes que encontram representação neste espaço inclusivo que é o espetro político.
Portanto, ver a política como um desfiladeiro em que a esquerda e a direita se combatem é, permitam-me, estúpido. A situação política de um país não é um conto de fadas nem uma história da Disney. Por assim se tratar dela, e por se discutir política como uma luta de gostos como se de um clube desportivo se tratasse, generalizou-se a prática de acusar os eleitores à direita de serem más pessoas.
A Esquerda não é a Cinderela que é maltratada pela sua madrasta má, a Direita. Passo a explicar a comparação infantil: se eu confessar que quero trabalhar naquilo que me apaixona, chegar a uma casa confortável, saber em que medida contribuo para a massa insolvente que é o bolo estatal e que essa sabedoria não me revolte; que quero poder ligar o aquecimento no inverno sem que por isso me sinta culpado e poder fazer uma viagem, no mínimo, uma vez por ano em que conheça uma nova cidade. Do ponto de vista de alguém de Direita, isto é uma expectativa de vida “razoável”, mas para alguém que vota à Esquerda eu sou uma pessoa horrível e “mereço morrer”. Porque este “sonho” de vida não me torna uma coitada e as pessoas vão sempre querer coitadinhos. Por exemplo, ninguém odeia o Dumbo. Persiste o estereótipo de que quem fala de economia e quem sonha criar riqueza para Portugal é o lobo mau. “Gerar riqueza? Não! Vamos é discutir como se distribui a riqueza para combater a pobreza.” Uma pessoa liberal a falar de economia é vista como a Mulan no exército chinês – um/uma inimigo/a –, mas foi precisamente essa mulher que conseguiu salvar o império.
Eu percebo que não se morra de amores pela ideia do homem possivelmente branco, heterossexual, presumivelmente racista e homofóbico, que aprecia uma tourada. Este senhor existe em cada um dos nossos avós, mas este senhor pode ser militante do PCP desde que fez 18 anos, porque a direita não tem a patente de ser antiquado. Do mesmo modo, uma mulher preta, lésbica, transexual e emigrada pode ser de direita e faz tanto sentido que o seja, como se for de esquerda. Novamente porque representar algo fora do comum não nos obriga automaticamente a por uma cruz em apenas 5 dos 8 partidos com assento parlamentar.
Resumidamente, a melhor pessoa do mundo não tem de concordar com a louca carga fiscal e inadequada redistribuição de riqueza da qual Portugal se orgulha. De tudo, que isto fique: as pessoas não podem ser rotuladas de boas ou más por votarem à esquerda ou à direita. Enquanto não ultrapassarmos esta moda de olhar para as ideologias como o anjo e o diabo, que pousam nos ombros das pessoas durante os seus debates internos com as suas consciências, nunca teremos maturidade para abordar um qualquer tema político nem seremos eficientes nas nossas lutas.