Em 1973, à medida que iam descobrindo, horrorizados, os detalhes do caso Watergate, os americanos convenceram-se de que tinham eleito para a Casa Branca um político que se empenhava em cometer crimes para conseguir o que queria. Não era verdade: na realidade, tinham eleito dois. Na presidência, Richard Nixon executava todo o tipo de truques sujos para conseguir vantagens políticas; na vice-presidência, Spiro Agnew executava todo o tipo de manobras escondidas para conseguir vantagens financeiras.

Spiro Agnew chegou à política nacional sem que ninguém soubesse sequer soletrar o nome dele — era um absoluto desconhecido quando Nixon o escolheu como vice. Tinha sido autarca na cidade de Baltimore e governador do estado do Maryland. Tanto num sítio como no outro, dedicara-se, com afinco e sem vergonha, a ser corrompido. As empresas que possuíam a desavisada ambição de ganhar obras públicas na região descobriam rapidamente que, para isso acontecer, precisavam de pagar a Spiro Agnew um valor que oscilava entre três e cinco por cento dos contratos que assinassem. Sem grande imaginação, o político gastava o dinheiro em carros desportivos, em jóias e em amantes.

As coisas estavam a correr tão bem que Spiro Agnew entendeu que não havia nenhuma razão para parar quando chegou à vice-presidência dos Estados Unidos. Sempre que um empresário ganhava um concurso federal, entrava em contacto com um intermediário conhecido pela reveladora alcunha de “homem do saco”. O “homem” aparecia e recebia um “saco” com notas de cem dólares. Depois, pegava no telefone, ligava à secretária do vice-presidente e dizia, de forma descomprometida, que tinha “informação” que precisava de partilhar com Spiro Agnew. Quando o “homem do saco” entrava no gabinete do vice, Spiro Agnew recebia-o com um sorriso, punha o dedo indicador na boca para indicar que deviam ficar em silêncio para evitar eventuais escutas e guardava o envelope na gaveta da secretária.

Sendo Portugal o que é, por vezes a entrega de notas em momentos semelhantes é feita em lugares menos solenes. Na Operação Vórtex, que está agora em julgamento, o Ministério Público acusa um empresário e dois políticos de terem trocado envelopes com notas no café Pastelo, em São Félix da Matinha, e no café 20 Intensus, em Espinho. Como se fosse preciso adicionar colorido à história, numa das vezes os envelopes iriam dentro de um saco onde se lia “Talhos Pessegueiro”.

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Tal como no caso Spiro Agnew, esta investigação em Espinho parece exemplar: as autoridades gravaram escutas reveladoras, assistiram aos encontros entre o alegado corruptor e os alegados corrompidos e conseguiram até uma confissão, ainda que parcial, do empresário que pretendeu, de forma pelos vistos pouco discreta, criar “ligações de afinidade” com os políticos.

Apesar de o empresário alegadamente corruptor se referir a um dos autarcas por “chefe da Casa Branca”, numa referência à cor do edifício da Câmara Municipal de Espinho, não estamos a falar de alguém com a relevância de Spiro Agnew — entre um presidente de câmara e um vice-presidente dos Estados Unidos há, convenhamos, uma abismal diferença de dimensão. Mas as coisas são o que são e não vale a pena termos grandes ilusões: na Casa Branca de Washington ou na Casa Branca de Espinho, haverá sempre o risco de alguém estar a entregar envelopes com notas a quem não os devia receber. Constatar essa evidência não nos leva muito longe, mas pode levar-nos até aqui: como o Estado não consegue simplesmente assinar um decreto que determine o fim da corrupção, resta garantir as condições para que ela seja combatida.

A primeira dessas condições é a existência de um Ministério Público forte. Em 1973, nos Estados Unidos, o procurador-geral Elliott Richardson estava há apenas 39 dias no cargo quando teve a desagradável surpresa de chocar de frente com o caso Spiro Agnew — e garantiu que o vice-presidente não conseguia usar o seu imenso poder para travar a investigação. Talvez seja um exemplo a seguir por Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro, que se preparam para escolher o sucessor de Lucília Gago. A melhor forma de combater a corrupção é tendo dez, cem, mil julgamentos como o da Operação Vórtex. Um empresário que esteja a pensar comprar um político ou um político que esteja a pensar ser comprado por um empresário devem olhar para as notícias sobre este caso e concluir que as coisas podem acabar muito mal para quem acha que pode fazer tudo.