Numa decisão manifestamente original e até caricata, o supremo tribunal administrativo ordena ao Parlamento mudança do “nome parlamentar de inquérito sobre o caso das gémeas”, dando razão ao pedido da sua mãe que tinha solicitado esta alteração.  Este tribunal fala de uma “violação arbitrária dos direitos ao bom nome e à reserva da vida privada” destas crianças.

Ora, esta decisão é original porque não há precedentes conhecidos em que um tribunal tenha ordenado a modificação do nome de uma comissão parlamentar, o que pode suscitar questões acerca de um possível conflito de poderes entre órgãos de soberania.

Mas, esta decisão é, sobretudo, caricata!

Com a entrada em vigor do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) em 25 de maio de 2018, (que procedeu à transposição da Diretiva (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016), a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), viu ampliadas as suas competências e poderes.

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Este marco legislativo introduziu regras mais rígidas para empresas e organismos públicos na União Europeia e reforçou os direitos dos cidadãos sobre os seus dados pessoais, para proteção do direito à privacidade e do respeito pela vida privada, reconhecidos como direitos fundamentais tanto no contexto europeu como no ordenamento jurídico português.

Com efeito, a CNPD, é a “autoridade de controlo” responsável pela fiscalização da aplicação da Diretiva de 2016 em Portugal e, necessariamente, pelo controlo e fiscalização do cumprimento da legislação nacional em matéria de proteção de dados pessoais, com o objetivo de defender os direitos, liberdades e garantias das pessoas singulares no âmbito dos tratamentos dos seus dados pessoais (cfr. artigo 41.º da Diretiva).

Concomitantemente, esclarece a lei portuguesa (RGPD) que a Comissão de Proteção de Dados é uma entidade administrativa independente, com personalidade jurídica de direito público e com poderes de autoridade, dotada de autonomia administrativa e financeira, que funciona junto da Assembleia da República, e age com independência na prossecução das suas atribuições e competências.

Ora, pergunta o leitor, mas aonde é que esta decisão é caricata? Simples.

Esta comissão parlamentar de inquérito foi formalmente empossada a 22/05/2024, tendo já realizado diversas audições, concretamente da família destas crianças, que invocou a violação dos seus dados pessoais, tendo gerado discussões entre deputados, durante as audiências públicas e televisionadas em direto e diversos incidentes processuais.

Pergunta que se impõe: A Comissão de Proteção de Dados, que funciona junto da Assembleia da República, precisamente no mesmo local em que funciona a referida comissão parlamentar de inquérito, emitiu algum parecer ou instaurou algum processo ao abrigo dos seus poderes de fiscalização?

E esta pergunta é tanto ou mais essencial na medida em que, de acordo com o juízo de censura do STA, a infração foi praticada por um órgão de soberania, diremos “nas barbas” da Comissão de Proteção de Dados e este órgão nada fez, e se fez, nada disse.

Como se desconhece qualquer ação desta comissão, num caso que poderia ou deveria ter sido evitado, talvez o tribunal possa vir a decidir em caso de pedido de indemnização por danos já causados, de forma também inédita, que a responsabilidade pelo pagamento de qualquer indemnização seja imputada a esta entidade em virtude da sua inação.

Ora se isto não é caricato, então não sei o que será!