O Líbano é uma nação antiga com um papel histórico fundamental. Quando olhamos para um mapa do Mediterrâneo, o país não parece ser mais que uma faixa relativamente estreita no Levante. No entanto, a sua relevância histórica tornou-se absolutamente determinante em resultado do papel desempenhado pelos fenícios – e através da sua cultura marítima – por volta dos anos de 2700 a.C. a 450 a.C.
Os marinheiros, oriundos das diferentes cidades-estado, percorriam incessantemente os mares do Mediterrâneo. Hábeis no comércio, fundaram inúmeras colónias na bacia mediterrânica e mais além, tornando-se assim num grande centro cosmopolita de atração das mais diversas culturas e de povos de todos os cantos do Mundo. O maior contributo civilizacional foi a criação de um alfabeto de 24 letras que esteve na base do grego – e posteriormente do latino – com as quais se escrevem estas mesmas linhas.
Esta caraterística cosmopolita, de encontro de povos e culturas, está ainda na base da enorme diversidade da sociedade libanesa atual. Neste sentido, ao contrário da homogeneidade dos países vizinhos, define-se e carateriza-se pela multiplicidade cultural e religiosa, bem visível aliás quando passeamos pela belíssima cidade de Beirute. Este facto é ainda mais surpreendente pela circunstância de estarmos a falar de um país com menos de 11.000 kms2 e pouco mais de cinco milhões de habitantes.
Numa região do mundo onde a instabilidade é o contexto dominante, o bem-estar político social e económico seriam fundamentais para contribuir para a estabilidade e a segurança regionais. Ora, desde 2019, o Líbano tem enfrentado uma nova série de crises multidimensionais que afetaram gravemente todos os aspetos da vida do seu povo e que se têm agravado continuamente.
Num país que já foi apelidado de “Suíça do Oriente Médio”, em razão da política financeira liberal e do progresso socioeconómico que registou, o atual quadro macroeconómico é particularmente duro: com uma contração do PIB de cerca de 60%, uma inflação anual superior a 200%, a forte desvalorização da moeda e um salário mínimo diário inferior a 1 dólar, três em cada quatro cidadãos encontram-se numa situação de pobreza.
O acordo de partilha do poder que rege o Líbano e que procura manter a paz e a estabilidade através da distribuição do poder e dos cargos do Estado pelos diferentes grupos que compõem a população não se alterou, apesar das exigências constantes das novas gerações. Basta dizer, para se poder perceber a pluralidade de culturas e o verdadeiro choque de civilizações que está em causa, que o Líbano tem uma distribuição do poder em que um cristão maronita detém a chefia do Estado, um muçulmano sunita a chefia do governo e um muçulmano xiita a presidência do parlamento.
Os crescentes escândalos de corrupção nos mais altos níveis do Estado reduziram a confiança dos cidadãos nas instituições libanesas e o acesso aos serviços públicos depende amiúde do pagamento de subornos ou de contactos pessoais privilegiados. Muitas organizações internacionais pressionam o Líbano a iniciar reformas estruturais, sendo que, nos últimos anos, foram aprovadas várias leis anticorrupção. Todavia, a sua aplicação continua a ser inadequada e a “Comissão Nacional Anticorrupção” está praticamente paralisada devido à falta de regulamentação e de financiamento para realizar o recrutamento e começar a trabalhar de modo efetivo. Do mesmo modo, os problemas estruturais, como a falta de um sistema judiciário digno desse nome ou de um Ministério Público independente, não foram ainda resolvidos, ameaçando a eficácia dessas reformas.
Foi neste quadro difícil que decorreram, em maio de 2022, as eleições legislativas com um inegável sinal de esperança de que o status quo se alterasse. Os eleitores confiaram no processo como uma chave para garantir melhores condições de vida. Mas à esperança seguiu-se a desilusão. Perante o atual impasse político, é evidente que as aspirações do povo libanês não foram, nem serão, previsivelmente, satisfeitas.
Esta ausência de perspetivas tem sido e deve continuar a ser tema de debate em vários fóruns europeus. Recentemente, por iniciativa de Omar Harfouch, um político libanês que vive em França, eurodeputados do Partido Popular Europeu debateram este tema numa conferência sobre terrorismo no Parlamento Europeu, requerendo uma maior iniciativa por parte dos decisores políticos de Bruxelas.
O vazio que existe desde a demissão do primeiro-ministro em 2022 é extremamente inquietante, tal como são preocupantes as investigações em curso sobre o governador do Banco Central e o recente adiamento das eleições autárquicas por falta de recursos. Parece claro que, perante o atual impasse político, as aspirações de dignidade, paz e prosperidade do povo libanês não serão satisfeitas e que, uma vez mais, serão os grupos extremistas a preencherem o vazio deixado pelas autoridades centrais.
Os libaneses precisam e merecem instituições que funcionem plenamente, que sejam transparentes, responsáveis e verdadeiramente empenhadas, ao serviço dos cidadãos.
Do mesmo modo, os recentes desenvolvimentos em matéria de segurança no Médio Oriente exigem a maior atenção e empenho. Nos últimos meses, assiste-se a um aumento exponencial da tensão e da insegurança. A comunidade internacional está preocupada com o tráfico ilícito de armas e drogas pelo Hezbollah, mas também com o aumento da influência do Irão na região.
A notícia de constantes violações da fronteira do Líbano com Israel, por parte do Hezbollah, representa um perigo potencial de reacendimento de um conflito sempre latente e testam a capacidade da UNIFIL, a Força Interina das Nações Unidas no Líbano, de conseguir desempenhar cabalmente a missão de assegurar que a zona de fronteira entre os dois países não seja utilizada para atividades hostis de qualquer tipo.
O horizonte é sombrio e é difícil de prever o respeito pleno e sem entraves dos direitos humanos num cenário tão frágil, caracterizado pela paralisia política interna e pelos egoísmos de fação.
Só um empenho árduo da comunidade internacional irá permitir que os libaneses possam ter instituições merecedoras da sua confiança e lançar as bases de um futuro mais próspero e estável. E isto só será possível com um cenário político profundamente renovado.