Portugal sempre foi conhecido por ser um país complexo a nível legislativo. Fiscalmente, a linguagem usada nos vários diplomas deixa qualquer contribuinte completamente à nora sem saber para onde se virar e, muitas das vezes, até os próprios especialistas em matérias desta natureza não conseguem deslindar as complexas teias legislativas, tal é a quantidade de produção de normas que é aprovada sobre impostos.
Hoje grande parte destas questões só param nos Tribunais Administrativos e Fiscais (TAF), arrastando processos ao longo dos anos pelos corredores da justiça, o que acarreta enormes custos para os sujeitos passivos e para o próprio Estado.
As inúmeras dúvidas de interpretação das normas fiscais por parte da administração e dos contribuintes são exemplo da permanente escuridão dos textos legais que forçam os cidadãos a não se conformarem com as decisões do fisco. Em 2020 a estatística dá-nos conta de que, das 47 651 reclamações graciosas que foram apresentadas, foi dada razão aos contribuintes em cerca de 58% (27 638 reclamações). A Autoridade Tributária (AT) apenas ganhou em 12% dos casos. Isto significa que, para além de existir por parte dos contribuintes cada vez mais conhecimento dos seus direitos, o Estado cobrou impostos a mais, e quando o Estado cobra a mais, não está a ser sério na sua função.
As reclamações graciosas são uma ferramenta ao dispor dos contribuintes para contestarem decisões dos serviços tributários, como, por exemplo, quando há um engano na liquidação do IRS. A reclamação pode ser feita presencialmente, numa repartição de Finanças, ou online, no Portal das Finanças.
Se a relação do Estado com os contribuintes se deve pautar por uma relação de confiança, uma das formas de a administração fiscal ser confiável é também utilizar a simplicidade de linguagem para que todos a possam entender.
A aérea do direito público, mormente a área económico-financeira, assenta em várias especificidades bastante diferenciadas das áreas do direito privado. Quando falamos em administração fiscal e aduaneira estamos a falar da relação entre o Estado com cada um de nós, pagadores de impostos.
O direito fiscal, de forma ampla pode ser encarado como o modo de obtenção de receita no quadro das finanças públicas. Por esta razão, o contribuinte português não pode servir exclusivamente para pagar, sem saber o quê e para quê.
Se assim é, então parece ser claro que os cidadãos, na qualidade de membros da sociedade e pagadores de impostos, que contribuem diretamente para que o Estado possa cumprir o seu desígnio, devem perceber as opções do legislador e a sua ratio legis, ou seja, a razão de ser da lei e o fundamento que lhe serve de base.
Cada um de nós paga diariamente diversos impostos, sejam eles directos ou indiretos, bem como diversas taxas, mas com o aumento da carga fiscal, quer a nível individual, quer a nível colectivo, o sistema fiscal vai ficando cada vez mais complexo pela criação de mais normas em cima das já existentes, não permitindo assim que o sistema seja aquilo que deve ser: simples e transparente.
Já em 2011 o relatório SGI, disponível em www.sgi-network.org , indicava que o sistema fiscal português é de grande complexidade contribuindo também para este factor a quantidade de obrigações fiscais a cumprir, muitas vezes duplamente ,e completamente desnecessárias por parte das empresas, o que nos leva a uma outra discussão que se teima em adiar: a burocracia. Tudo o que é complexo no sector administrativo do Estado, tornar-se-á inevitavelmente burocrático com custos de contexto que devem ser minimizados.
Porém, uma verdade também deve ser apontada para a problemática da complexidade das questões fiscais: o desconhecimento sobre a matéria e a fraca literacia sobre o tema. Assim , também deve ser objecto de reflexão por parte dos decisores políticos, que sejam implementadas medidas no ensino a fim de serem dadas ferramentas aos mais jovens de forma a que se saiba, por exemplo, entender o que são impostos, a sua importância e como analisar e preencher uma declaração de rendimentos. A componente da educação fiscal é tão essencial nos dias de hoje tal como é saber falar várias línguas ou perceber sobre uma outra matéria qualquer. É através da educação, que se perceberá toda a envolvente económica do Estado, sendo então necessário perceber para que servem os impostos e que se sabia o mais cedo possível o que tudo isto significa na vida prática e no dia a dia dos cidadãos. Ter esta percepção no início do ensino secundário, é poder construir para futuro uma ponte de fácil travessia nas relações com o Estado.
Talvez com a introdução no sistema de ensino que verse sobre esta matéria, faça com que seja possível uma existência mais perceptível aos futuros cidadãos contribuintes para que estes possam discutir com alguma propriedade e rigor se o papel do estado enquanto fiel depositário do nosso dinheiro para fazer face à despesa pública estará ou não a ser devidamente desempenhado. Não poderá haverá discussão, análise e compreensão, se não se souber o que se está a discutir.
Se abordarmos um jovem na casa dos 18-25 anos e questionarmos quais os impostos que incidirão sobre o seu rendimento quando ingressar no mundo do trabalho e qual a taxa que ele pagará para a segurança social, certamente obtemos um “ não faço puto de ideia, não percebo nada disso”. Saberá mais tarde e ficará chocado quando se aperceber de que uma grande fatia do seu esforço mensal vai parar aos cofres do Estado.
A par de tudo isto, e para que o fosso entre cidadãos e a administração fiscal seja menor, é urgente diminuir, para além da tão afamada burocracia, a forma como se utiliza a linguagem fiscal. Não pode um contribuinte, alheio a todas estas matérias, não entender o que o legislador quer dizer, não podendo ficar refém daqueles que estudam “ o fisco” e as suas doutrinas.
O texto das leis fiscais e dos documentos de pagamento que chegam a casa dos contribuintes, devem ser acessíveis do ponto de vista da comunicação ao comum dos cidadãos e sem qualquer ambiguidade. O contrário, como tem sido até aqui, levará a uma incorreta interpretação dos dados com o consequente aumento de litígios que trará custos desnecessários a todos e um gerar de uma enorme desconfiança do cidadão perante a administração.
Faço desde já um pequeno exercício com o leitor. Acha perceptível e clara a sua nota de liquidação de IRS? Possivelmente muitos responderão que não entendem os cálculos apresentados pela Autoridade Tributária (AT) e nem é preciso perceber porque, à partida, pela simulação feita anteriormente à entrega da declaração, já se sabe o valor a pagar ou a receber.
No entanto, qualquer nota de liquidação de impostos emitida pelo fisco deve explicar ao contribuinte como se apurou um determinado montante, tendo em conta o enquadramento e o agregado familiar (se falarmos de IRS) conhecido pela administração, e, por essa razão, não pode esta limitar-se a enviar uma nota de liquidação com um mero quadro preenchido com números sem informar o que tudo aquilo significa.
Deduções à colecta, coeficiente conjugal ou dedução específica são conceitos que constam da nota de liquidação de IRS mas cujo significado poucos entendem. Não posso aceitar que se diga que há bastante informação disponível para que se saiba o que cada conceito que dizer. Na verdade existe, mas é da responsabilidade da administração fiscal fazer incluir à nota que envia uma explicação clara e simples do que que significa cada parâmetro.
Certo e sabido é que quando os contribuintes recebem um documento do fisco para pagar, para ler o que lá consta e para entender as contas é quase preciso um curso de fiscalidade. Não pode, nem deve ser assim.
Igualmente importante, e para qualquer dúvida fiscal que o contribuinte possa encontrar, deverão existir meios de resposta objectivos e não lhe deve ser respondido pela Autoridade Tributária que “é o sistema que informa” ou “é o que diz a lei”.
Para um sistema fiscal mais adequado e justo, uma boa comunicação entre os vários agentes é essencial, da mesma forma que a transparência também é um factor de confiança. Em Portugal, a confiança e a transparência na administração fiscal está longe de ser uma realidade e a causa nasce pela falta integrada destes dois pilares essências na relação contribuinte-administração.
No essencial, é de uma reforma sistema fiscal que vos falo, incluído nela uma abordagem diferente que possa combater a complexidade em que fiscalmente vivemos, causadora de um forte impacto no dia a dia, quer no exercício de actividades económicas, quer no trabalho individual e nos investimentos que pretendemos levar a cabo.
Porém, a instabilidade fiscal com o crescente aumento de revisões e alterações vai criando incertezas e, por essa razão, também a teia legal, já de si enorme, causará um aumento da complexidade. O nosso sistema fiscal deve ser alvo de uma análise profunda de forma a torná-lo mais simples e menos complexo aproximando o cidadão da Administração.
Tudo o que possa afastar os cidadãos com a introdução de complexas leis de um grau imperceptível de leitura, arrumadas em códigos tributários sem fim, não cria a desejável boa relação com o Estado.
Não pode assentar a lei fiscal no princípio do espírito da lei. Ou seja, tentar entender o que o legislador quis dizer mas não disse. Em algumas matérias que são de importância extrema para a vida dos cidadãos como é o pagamento de impostos, o sistema não pode gerar dúvidas. Ou se é objectivo e claro ou então tudo se resume a uma enorme confusão.
É preciso dizê-lo com toda a frontalidade: sim, o nosso sistema fiscal e tributário é uma enorme trapalhada. Parece que quanto mais complicado, burocrático e complexo for, tanto melhor. Porque razão assim é? Não sabemos. O que sentimos é que grande parte dos impostos que pagamos servirá para alimentar uma pesada máquina que teima em complicar a vida de todos nós.