O crescimento económico é vulgarmente associado à evolução do nível de vida das populações. Historicamente, e praticamente desde a Revolução Industrial até aos nossos dias, foi-se afirmando uma tendência que parece legitimar a convicção de que o nível de vida das populações seria sempre crescente, geração após geração, salvo em alguns períodos marcados por guerras, pandemias e crises financeiras. Assim, tal como o nosso nível de vida, medido pelo rendimento per capita, se apresenta superior ao das gerações dos nossos pais e dos nossos avós, também os níveis de vida dos nossos filhos e netos seriam seguramente superiores aos nossos. Por outras palavras, o crescimento económico e, com ele, a melhoria no nível de vida das populações, estariam “garantidos” para sempre…

A primeira questão que se coloca, neste contexto, consiste, pois, em procurar explicar esta tendência.

Vários autores têm procurado, a este propósito, investigar os designados “factos do crescimento”, ou seja, em última análise, os factos que permitem acomodar tal demonstração. Um dos últimos trabalhos apresentados neste domínio, da autoria de Charles I. Jones e de Paul Romer (este último um dos agraciados com o “Nobel” da Economia em 2018), sublinha com particular ênfase a intensificação, no plano internacional, dos fluxos de ideias, de investimento e de comércio, como um dos principais “drivers” do crescimento. Deste modo, o aumento do fluxo de bens, ideias, movimentos financeiros e pessoas – através da globalização e da urbanização – aumentaram a extensão dos mercados para todos os trabalhadores e consumidores, abrindo novas oportunidades para o crescimento económico. De resto, à luz dos princípios mais elementares da ciência económica, não seria plausível admitir tal tendência com países e continentes fechados sobre si próprios. Contudo, desde a crise financeira de 2007 – que deu origem à designada “grande recessão” na viragem da primeira década deste século – até ao rebentar da guerra na Ucrânia em fevereiro deste ano, passando pela emergência, no início de 2020, da crise pandémica do Sars-Cov-2, começaram a evidenciar-se movimentos, geopolíticos e económicos, que parecem pôr em causa, e não apenas suspender, a continuidade da expansão dos fluxos de comércio e de investimento à escala global. O ritmo da globalização desacelerou, mas para não se perder por completo o pé naquilo que parecia ser um princípio adquirido, alguns economistas avançaram, entretanto, com a hipótese de um novo cenário que designaram, muito sugestivamente, por “slowbalisation”.

Mas a evolução registada em alguns indicadores no passado recente dá que pensar. Assim, e segundo o Banco Mundial, o peso do comércio no PIB mundial, que se fixava em 25% em 1970, atingiu um máximo de 61% em 2008 e recuou para 56% em 2019, próximo dos valores registados em 2004 e em 2005. Por outro lado, o Investimento Direto Estrangeiro (IDE), que em 1970 se fixava em apenas 0,5% do PIB mundial, atingiu 5,3% do PIB mundial em 2007, tendo verificado uma quebra acentuada nos anos seguintes (a par de uma elevada volatilidade), fixando-se em 1,7% em 2019, em linha com o valor registado em 1997.

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Estaremos, neste ambiente, ameaçados por uma visão mais sombria do nosso futuro que acabará por ditar o fim do crescimento económico ou a “estagnação secular” já há vários anos vaticinada por Robert Gordon para os EUA a partir da previsão dos “ventos contrários” do inverno demográfico e do perfil dominante das designadas “novas tecnologias”?

No meio académico podemos identificar a este propósito várias respostas, assentes em diferentes teorias e modelos de crescimento. Mas não é esse, neste texto, o caminho que se pretende explorar. Objetivamente, a questão que nos interessa aqui sublinhar consiste em averiguar em que medida é que será possível identificar novas vias de intensificação das trocas (do comércio, do investimento, das ideias) que possam acentuar os padrões de especialização de diferentes países e regiões e, consequentemente, “segurar” o crescimento real do PIB, apesar das barreiras geopolíticas que as circunstâncias atuais e do passado recente determinarão nas próximas décadas. A abordagem de outros factos explicativos do crescimento será por certo relevante, mas o crescimento económico dificilmente resistirá à progressiva desaceleração do IDE e do comércio internacional.

Ora, para que o fim da globalização nos termos que a conhecemos nas últimas décadas não seja o prenúncio do fim do crescimento, o que ninguém – seguramente – deseja, torna-se inevitável promover a integração económica e nomeadamente a intensificação do processo de liberalização dos movimentos dos fatores – do trabalho, do capital, da tecnologia – entre os países que consagram institucionalmente e na prática a defesa de valores perenes e comuns, como os direitos individuais e o respeito pela ordem internacional. Mais liberdade económica no espaço europeu, mais liberdade económica no eixo transatlântico e no relacionamento com os países que partilham tais valores serão por certo os melhores caminhos para a cooperação económica entre indivíduos, regiões e países, e para a consagração de um ambiente internacional que projete com mais vigor a importância da liberdade para o desenvolvimento e o crescimento económico à escala mundial.

Todavia, para os indivíduos e sobretudo para as empresas, desde logo no espaço europeu onde Portugal se integra, são evidentes as barreiras que ainda subsistem ao livre movimento dos fatores, onde abundam regulamentações nacionais que perturbam a livre iniciativa empresarial, a expansão do comércio e do investimento. Neste contexto, o desafio com que nos confrontamos é o de prosseguir no sentido de uma maior integração económica através, nomeadamente, de uma maior ambição nos planos institucional e da internacionalização das empresas nos mais diversos setores de atividade, não apenas através de fluxos de comércio, mas também de investimento, de fusões transeuropeias e da constituição de joint-ventures e bem assim de outras iniciativas suscetíveis de reforçarem o posicionamento estratégico das empresas nos mercados onde atuam ou pretendam vir a atuar. Em última análise, o que é necessário é a consagração de um ambiente institucional que permita aprofundar as relações económicas entre os diferentes estados membros, promovendo por essa via uma maior mobilidade e uma afetação mais eficiente (e também mais robusta) dos recursos. E, neste domínio, haverá ainda muito a fazer, quer ao nível das instâncias europeias quer ao nível das autoridades nacionais. A título simbólico, deixamos aqui uma breve referência à experiência das designadas sociedades europeias, uma boa ideia sem resultados práticos visíveis.

O estatuto da Sociedade Europeia (SE), constante do Regulamento da União Europeia (CE) n.° 2157/2001 do Conselho, tem caráter geral, pelo que é aplicável em todos os Estados-Membros da União Europeia. Contudo, o citado Regulamento tem de ser regulamentado por atos normativos de Direito interno dos vários Estados-Membros, o que resulta no estabelecimento de várias soluções normativas que acabam por dificultar o que deveria ser institucionalmente promovido (em Portugal, os diplomas, entretanto já com várias alterações, que complementam aquele Regulamento são o Decreto-Lei n.º 2/2005, de 4 de janeiro, que estabelece o Regime Jurídico das Sociedades Anónimas Europeias, e o Decreto-Lei n.º 215/2005, de 13 de dezembro, que transpõe para a Ordem Jurídica Nacional a Diretiva n.º 2001/86/CE, do Conselho, o qual completa por sua vez o estatuto da sociedade europeia no que respeita ao envolvimento dos trabalhadores). Ora, e segundo os últimos dados disponíveis (que remontam a 2018) existirão cerca de 3.000 SE constituídas, 2/3 das quais na República Checa, 491 na Alemanha e 140 na Eslováquia. Em mais nenhum dos 27 estados membros encontramos mais de uma centena de SE constituídas e, em Portugal, encontramos apenas 1 (uma). Manifestamente, decorridos já 20 anos, algo parece ter faltado para mobilizar a sociedade, os empresários e os trabalhadores europeus para esta iniciativa que provavelmente, em larga medida, desconhecem: barreiras normativas e administrativas nacionais? Falta de comunicação adequada? Talvez a ausência de um estatuto fiscal próprio?…

Voltando, para concluir, ao tema (da ameaça) do fim do crescimento este seria certamente mais doloroso para Portugal, país que, a par do registo de uma dívida pública ao nível das maiores da Europa, apresenta também dificuldades no financiamento do estado social, como as perturbações a que vimos assistindo recentemente bem evidenciam. Serão, seguramente, necessárias, reformas estruturais, que alinhem desde logo os serviços da administração pública com soluções mais eficientes que as tecnologias da informação e comunicação proporcionam, transversalmente, na generalidade das atividades económicas, impulsionando, também por essa via, a necessária reforma do Estado, independentemente do âmbito da sua intervenção, a qual será também, e legitimamente, determinada pelas orientações políticas e ideológicas dos governos e dos respetivos eleitorados. E se é verdade que praticamente ninguém na sociedade portuguesa questiona a importância do estado social, desde logo na garantia dos meios para o acesso universal aos cuidados de saúde, ao ensino e à assistência social, não é menos verdade que, sem crescimento, ou com um crescimento anémico como o que temos registado nas últimas décadas, não haverá, mais tarde ou mais cedo, SNS, escola pública e segurança social que resistam.

Reformas estruturais, com certeza, e também “mais Europa”, serão esses os caminhos incontornáveis para situar o crescimento económico, em Portugal, ao nível das expectativas que os sucessivos governos têm vindo a alimentar na sociedade portuguesa.