A única vantagem de ser velho (e guardar algum tino e memória) é a de olhar o mundo com olhos repetidos e perceber que determinadas coisas vão dar noutras.

Em 1972, tinha dezassete anos, lembro-me nitidamente de ouvir na então Emissora Nacional a reportagem (transmissão?) da reeleição do Almirante Américo Tomás para Presidente da República, por Colégio Eleitoral restrito. Não tinha nem aceitação, nem admiração popular, pelo contrário, apesar da classificação de “venerando” por alguns mais exaltados ou interessados, de facto era olimpicamente ignorado ou motivo de piada por quase todo o País.

Sem o entender (não percebo como…) o regime vigente perdeu, com aquela nomeação, a grande oportunidade de mudança interna que teria com outra personalidade no lugar. Foi um verdadeiro hara-kiri político.

Não tendo ele ido para o lugar e contribuído, como hoje se sabe, para o imobilismo e degradação do regime, talvez não chegasse a haver revolução, Marcello Caetano poderia proceder a reformas que conduziriam inevitavelmente à perda de África, mas noutra velocidade, com outra ordem e com equilíbrio económico. Também por um Almirante se  perdeu um regime.

Chegados agora à modernidade, outro Almirante espreita e os políticos tremem. Todos aqueles que têm uma noção do que Portugal é percebem o apego popular à imagem de Gouveia e Melo.

O que é ele? Essencialmente um militar, submarinista, o que implica, mais que em qualquer navio, uma maior percepção à necessidade de disciplina, que conduziu com determinação a missão que lhe foi dada de organizar a vacinação, o que fez sem tergiversar e cumprindo a sua ordem de serviço.

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Independentemente de a história da vacina ter sido um facto muito mais político que propriamente de saúde, como se vai agora sabendo, havia que acalmar os povos para permitir o regresso de uma vida normal, sem a qual estaríamos todos talvez ainda mais perdidos do que ficámos com inflação, depressões e alterações obtusas de comportamentos.

O Almirante cumpriu a missão que o poder político lhe tinha entregue. Mas ganhou nome, presença e adesão à sua maneira de estar e “cheirou-lhe” que outros voos lhe poderiam estar guardados.

De forma trapalhona o poder político fê-lo Chefe do Estado Maior esperando que as suas ambições ficassem por aí. Pelos vistos não ficaram.

Agora o “bicho” vai ficar à solta. Na minha, certamente inútil opinião e tenha ele dois dedos de testa, mesmo hoje no tempo da comunicação, para manter a imagem e ganhar a eleição para a Presidência da República, só tem de lembrar-se de dois mandamentos ditos por dois militares célebres:

  • Um é o de que um homem é dono dos seus silêncios e escravo das suas palavras;
  • Outro é de que para haver autoridade, há que haver prestígio, e, para haver prestígio, há que haver distância.

Pela natureza da sua postura os Portugueses entendem – e se calhar querem – que o regime seja outro, sem contorcionismos, eventualmente encontrando um apoio em Belém para a sua transformação institucional.

Não me espantaria que alguns espectros dos “capitães de Abril” aparecessem a apoiá-lo, num revivalismo de tempos passados.

E o Povo aceitá-lo-á naquele atavismo que tão bem retratou o caseiro da Casa discutindo uma ordem minha, teria eu vinte e ele sessenta anos: Dir-me-á vossa mercê de quem é o mando!