“Nunca aprendemos nada. Se calhar foi pena termos pedido o resgate quando o pedimos. Mais um ou dois meses e falhavam os pagamentos aos funcionários públicos. Se isso tivesse acontecido talvez se tivesse aprendido de vez”.

Ouvi aqui há uns tempos este desabafo a alguém que não esconde o seu desencanto com o rumo do país. A alguém que conhece a diferença entre estar bem e parecer estar bem – ou seja, a diferença entre parecer ter as contas certas e ter uma economia capaz de sustentar as contas públicas.

Infelizmente vivemos num país de aparências, onde parecer é mais importante que ser. E onde há uma permanente penalização de quem procura falar sobre as dificuldades e um prémio de popularidade para quem promete facilidades.

Qual é o nosso problema? É que mesmo com todos os ventos a soprarem a nosso favor crescemos pouco. Este ano, de acordo com as previsões da Comissão Europeia, devemos ter o quinto crescimento mais baixo da União. Mais, e pior: Bruxelas prevê que a Lituânia, a Eslováquia e a Estónia ultrapassem Portugal em 2018 no que diz respeito à riqueza por habitante. O que significa que nos arriscamos a terminar este “ano de rosas e festejos” como o terceiro país mais pobre da zona euro, só à frente da Letónia e da Grécia. E a manter-se esta tendência não tardará muito que também a Hungria e a Polónia nos ultrapassem (em 2019 prevê-se que Portugal cresça 2%, contra 3,2% da Hungria e 3,7% da Polónia).

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Se tivéssemos aprendido realmente alguma coisa com o que nos aconteceu em 2011, se uma boa parte do país não continuasse a pensar que os anos duros que se seguiram foram apenas fruto da teimosia “ideológica” de um governo de malandros, nunca teríamos tido um debate público dominado pela urgência das reversões, antes um debate focado no essencial – e o essencial é que, mesmo tendo voltado a crescer, Portugal cresce menos do que os outros e, sobretudo, cresce menos do que aquilo de que precisa para sustentar o nível de serviços públicos a que se habituou, serviços públicos que os políticos não param de prometer expandir ainda mais.

É este quadro que devíamos ter bem presente agora que começamos a debater o Orçamento do Estado para 2019, ano de eleições. A pergunta que todos deveríamos ter na boca devia ser só uma: como vamos crescer mais e mais depressa? A pergunta que temos na boca é, infelizmente, outra: como vamos calar os parceiros da geringonça e fazê-los engolir as contas públicas do próximo ano?

É assim que vivemos da espuma dos dias. “Não mudamos nem uma palavra, nem uma letra”, grita Jerónimo de Sousa, pedindo mais dinheiro para tudo. O Bloco sobe a parada no debate do pacote laboral, considerando-o “decisivo” antes do Orçamento. E o PS sente necessidade de avisar para que ninguém “ceda à tentação de fazer ultimatos”. Mesmo sabendo que há nestas coreografias muito dos jogos florais típicos de quem procura posicionar-se o melhor possível para um ano eleitoral, a verdade é que este aparente nervosismo tem como pano de fundo uma mudança no discurso do Governo que começou há alguns meses.

Primeiro foi Mário Centeno a falar, no Parlamento, do passado, como se este “não tivesse mostrado riscos, avisos, consequências e lições”. Depois foi o próprio António Costa a confessar aos deputados que “não temos dinheiro”. Adoptado o novo tom, fosse em entrevistas ou em intervenções em Bruxelas, não faltou quem atribuísse a nova dureza de Mário Centeno à sua condição de presidente do Eurogrupo, ou então o desconcertante realismo do primeiro-ministro a contar agora com o ombro amigo de Rui Rio. Tão habituados que estamos a estes jogos de corte que evitámos olhar para o essencial: apesar da irresponsabilidade com que prometeram mundos e fundos nos três últimos anos, tanto Centeno como Costa sabem que caminham sobre gelo fino. Tal como sabem que nem sempre se tem toda a sorte do mundo e os ventos todos a favor.

Se pensarmos um pouco no “milagre Centeno” – redução do défice 3% do PIB em 2015 para uns previstos 0,3% em 2018 –, fazemos as contas e verificamos que isso representou uma redução do défice de 4.5 mil milhões de euros. Parece imenso, mas não é: metade deste valor resulta apenas da redução da despesa com juros e do aumento dos dividendos do Banco de Portugal, o que significa, entre outras coisas que qualquer flutuação nas taxas de juro podem atirar borda fora a tão falada mestria do “Ronaldo das Finanças”.

No entanto, em vez de discutirmos o que fazer para termos mais crescimento, fazemos exactamente o contrário.

Primeiro exemplo: revisão das leis laborais. O Governo sabe, mas nem às pedrinhas confessa, que o dinamismo do mercado laboral e a excepcional criação de emprego a que temos assistido é muito fruto das mudanças legislativas dos últimos anos, que começaram ainda no tempo de Sócrates e foram das poucas reformas a sério dos anos da troika. A oposição também sabe, mas curiosamente parece ter vergonha de o assumir, deixando todo o espaço público à retórica dos parceiros da geringonça. O resultado é um debate cego à realidade e centrado exclusivamente na obsessão da precariedade.

Segundo exemplo: a lei das rendas. O Governo sabe, as autarquias também sabem, que a reanimação e recuperação dos centros históricos, a criação de condições para o boom turístico e o reaparecimento do mercado do arrendamento é fruto da nova lei das rendas. Por isso, mesmo chamando-lhe António Costa pela frente “lei dos despejos”, pelas costas desdobra-se em esforços para evitar que seja alterada a não ser em detalhes (e mesmo assim mal alterada). É muito fácil estragar o que se progrediu mesmo que esse progresso tenha dado origem a distorções especulativas. Quem quiser defender mais crescimento e menos especulação devia defender o aumento da oferta de habitações, pois isso faria baixar os preços; quem vive no passado e na estagnação quer congelar o velho e afastar novos investimentos. Neste quadro falar de preocupações sociais é pior do que atirar areia para os olhos: é remeter para os senhorios as funções sociais do Estado, uma prática com um século (pois o primeiro congelamento das rendas foi ainda na I República) que deu o resultado que deu.

Terceiro exemplo: os bloqueios da Justiça. Não há um só inquérito sobre o que tolhe o investimento em Portugal que não coloque à cabeça o nosso sistema de Justiça. Mesmo assim foi na Justiça que o principal partido da oposição, o PSD, decidiu surpreender-nos pelas piores razões. E se chega mesmo a assustar no que se refere aos direitos fundamentais, como explicou o Luís Rosa, o que o partido de Rui Rio parece ter como agenda é a sua própria obsessão com… reversões. Pior: o PSD propõe-nos uma agenda que tem pouco de político de muito de corporativo, sendo que desta vez a corporação (ou uma parte dela) está dentro da própria direcção laranjinha, por via da antiga bastonária da Ordem dos Advogados.

Mas há mais, muito mais, pois a especialidade dos nossos dirigentes parece ser a de passarem sempre entre os pingos a chuva enquanto dão dois pés de dança. De facto, que dizer do silêncio de Marcelo sobre o impacto nas despesas do Serviço Nacional de Saúde da lei das 35 horas? Há dois anos, quando promulgou a lei, ameaçou levá-la ao Tribunal Constitucional se houvesse aumento da despesa. Agora que essa despesa se materializa, silêncio absoluto – até porque o hábil argumento da eventual inconstitucionalidade ficou fora de prazo. Em vez disso sobe ao palco do Rock in Rio de braço dado com António Costa, Ferro Rodrigues e Catarina Martins para trautear uma canção que, não fosse este o elenco de personagens, cairia por certo sob o cutelo censório do politicamente correcto, se não fosse mesmo acusada de salazarismo.

Entretanto, do lado que verdadeiramente interessa, o do crescimento económico, as luzes que se acendem vão exactamente no sentido contrário do desejado. No primeiro trimestre deste ano tivemos um crescimento anémico (0,4% em cadeia, 2,1% homólogo) e que ficou aquém das expectativas. Quantos minutos levámos a debater este tema? Seguramente menos do que as horas dedicadas à momentosa parolice dos estacionamentos da Madonna e muito menos do que os dias dedicados a um tresloucado que esteve aos comandos do Sporting.

Mas não nos incomodemos. Ao menos as redes sociais já não fervem de indignação, antes nos vão mostrando como os portugueses voltaram às praias, aos bons restaurantes, às viagens ao estrangeiro e às doçuras da silly season. É assim que, pelo menos até ao próximo sobressalto, ou ao próximo “diabo”, continuaremos a ser silly todo o ano.