A democracia parlamentar passada à prática e a eventual recuperação do dinamismo autárquico são com certeza aspectos centrais positivos que cabe ressaltar da revolução do 25 de Abril de 1974, sob qualquer prisma.
Mas na sua esteira, em contraponto, na profundidade e gravidade das suas consequências, também ficou o lastro escuro e aparentemente inexorável de uma “sociologia da educação” que um dia foi activamente promovida e mobilizada por determinados sectores políticos esquerdistas dominantes do processo revolucionário e que ficou e tem dado péssimos frutos.
Uma “sociologia da educação” em permanente torvelinho para o laxismo e irresponsabilidade, para o nivelamento por baixo, do esvaziamento do ser e do dever, da deificação do ter e do direito a tudo, da falta do sentido crítico, do definhamento da ideia e da razão pura e simples e da possibilidade do conhecimento integral, da má criação e da boçalidade, sob um fundo de permanente e persistente exaltação ideológica.
Lançaram-se as bases de um “homem novo” e de uma “sociedade nova”. Feitos do descarte e abandono do ser homem e do outro (um processo que teve realização prática no malfadado método da descolonização portuguesa em África).
Uma sociedade que existe culturalmente sem povo, massificada, inepta, dividida em muitas tribos isoladas, transversalmente laica e supostamente racionalista, sem influência moral, religiosa ou política (no sentido tradicional).
Um processo, pelo qual, das famílias, das escolas, demais agentes sociais e da Igreja partiu-se para a dissolução, para o triunfo do eu-eu, rumo a uma estrutura social intrinsecamente relativista.
Da socialização passou-se à associalização, com as novas aprendizagens sociais e culturais feitas essencialmente na TV e nas redes sociais.
Do conhecimento e da formação integral passou-se à mera aprendizagem técnica acumulativa (feita por blocos) e daí a um passo cristalizou-se o jargão absolutamente falso nos pressupostos da “geração mais preparada de sempre”.
Mas chegámos a um impasse. Porque a “geração mais preparada de sempre” não encontra trabalho, nem remunerações de qualidade e emigra maciçamente.
O país está dividido, o povo desorganizado. Já não há um sonho ou um desígnio comum, pelo que não conseguimos mobilizar-nos para nenhum novo projecto que agregue e desafie.
Portugal está deficitário de elites verdadeiras (que não valem sem estofo moral e ético), portanto, sem liderança (politicamente, a incumbente maioria absoluta socialista é uma farsa oligárquica de más contas de mercearia).
No caminho, parte-se o que um dia foi (bem) feito e comprometem-se as nossas glórias históricas. E já agora, por exemplo: como não honrar e não comemorar a descoberta do caminho marítimo para a Índia, não honrar, nem exaltar de forma permanente e inteligente D. Afonso Henriques, D. Nuno Álvares Pereira, Vasco da Gama, Gago Coutinho, Camões ou Pessoa e todos os nossos demais heróis que um dia ajudaram a fazer e a projectar um Portugal livre, independente, inteligente e competente? Como rejeitar, também, por exemplo, a ideia óbvia e urgente de se criar um museu português dos descobrimentos de nível mundial situado em Lisboa?
Seja como for, não basta a produção em abstracto de uma contra-ideologia, opor aparelho ideológico a aparelho ideológico.
O compromisso tem de ser diferente. Que é de certeza muito mais difícil e muito mais demorado. Mas é o único possível, quanto antes. Voltar ao caminho. Descer do pedestal falso do “homem novo” simplesmente à realidade do ser homem que é. Voltar à verdade. Libertar-nos da iliteracia, o melhor carburante da ideologia.
Acreditar que podemos ser livres.