A Alemanha está em heavy lockdown desde meados da semana passada. O outro, mais light, que tinha sido implementado em novembro, parecia estar a conter alguma propagação da doença, mas acabou por revelar-se absolutamente insuficiente, tendo sido necessário ajustar a corda e refazer medidas. Os Portugueses sabem desta situação, felizmente vamos sabendo uns dos outros pelos meios de comunicação social, facilidades de um mundo globalizado.
E é assim que nos chegam mensagens dos nossos amigos de Portugal, a perguntar como estamos cá em casa, neste contexto difícil daqui. As revelações de carinho, de apreço, de amor, são de uma autenticidade comovente e não quero ser mal interpretada com o que em seguida vou escrever. Sinto-me abençoada por me sentir tão gostada pelos meus amigos, sendo que o maior tesouro de cada um se molda por matéria de amor, se faz das relações impactantes que nos movem. No entanto, acho importante fazermos o exercício de olharmos para os números e, segundo a European Centre for Diseases Prevention and Control (ECDC), na semana em que a Alemanha entrou em lockdown apertado, o número de novos casos por 100 mil habitantes, nos últimos 14 dias, era de 341,1, contrastando com 524,9 em Portugal, e o número de mortes na Alemanha por 100 mil habitantes, também nos últimos 14 dias, era de 6,9, sendo de 11,0 em Portugal. Bem sei que os números absolutos num país, que é pelo menos oito vezes mais populoso que Portugal, são aparentemente muito mais temorosos. E também sei que o contexto daqui na Alemanha é, de facto, difícil. Mas os números relativos também falam por si.
De facto, as matizes da realidade vão variando pela batuta da narrativa que nos é contada. A eloquência e a retórica contam. Perante números tendencialmente piores, de dia para dia, Frau Merkel anunciou um sentido basta e implementou uma estratégia rígida de contenções, com esperança de reverter a predisposição das contas. Em Portugal, por sua vez, perante números comparativamente piores, os Portugueses são convidados a usar o auto-bom senso em alturas festivas, a serem criativos na forma como celebram em família, porque as orientações formais de contenção só se instauram a partir da passagem de ano!
A imagem de Frau Merkel na Europa nem é extraordinária, mas assumo, por experiência própria, que é uma figura que se aprende a admirar. Na Alemanha, as pessoas sentem confiança nos decisores políticos, as palavras proferidas vêm certeiras, objetivas, e são sobreponíveis aos planos. Pode ser necessário engendrar novos cenários, claro, mas não há muita ambiguidade e a desconfiança, de uma forma geral, não tem lugar de existência. Há também seriedade na gestão do que é comum e, se por acaso, por atrevimento, surge alguém com um intuito menos sério no manuseamento da política, é definitivamente afastado, é verdadeiramente afastado em definitivo, não ressurge anos mais tarde (poucos!) das sombras para ir pseudobrilhar noutro cargo público extraordinário e bem pago. Naturalmente, isto dá uma confiança muito grande às pessoas e sabe bem sentir que o governo é um género de mãe, porque numa mãe confiamos às cegas.
Às vezes, pergunto-me: porque terá a Alemanha tanto dinheiro, porque terá Portugal tão pouco?! E não me interrogo de forma apenas infantil: claro que a Alemanha é um país produtor e exportador, Portugal nem tanto, e isso contribuirá numa escala grande para um saldo positivo na balança dos dinheiros. Mas pergunto-me porque, nos serviços de todos os dias, eles não são melhores do que nós, Portugueses. Por exemplo, a prática da medicina de ambulatório, ainda que sofisticada na tecnologia e sem entraves económicos para pedidos de exames e análises, é inferior à nossa (e, como médica, sinto-me à vontade para o comentar); ou chamar um canalizador a casa não nos garante que ele saiba resolver o problema com a água, e o mesmo com o eletricista, com o técnico da internet… Eles não são, de facto, melhores do que nós e, assim, a outra parte da resposta para a minha pergunta tem que passar pela governação, por uma entidade estrutural.
Contrariamente a Maria Filomena Mónica e a José Manuel Fernandes, eu ainda tenho orgulho em ser portuguesa. Pode ser que a minha opinião mude daqui a alguns anos, eles sabem muito mais do que eu. Mas talvez ainda tenha orgulho, por me colocar mais desatenta à História, mas mais focada no chão de Portugal. É difícil descobrir tanto sol, tanta hospitalidade, alguma cerimónia educada, tanto coração de braços estendidos, tanto mar, noutro lugar do mundo. Mas, é também certo, este chão maravilhoso tem que ser capaz de se renovar na chico-espertice, na corrupção, na inconsequência, na rebaldaria.
Comecemos por esta época de Natal e iniciemos o Novo Ano com a responsabilidade máxima que soubermos, com a empatia máxima que soubermos, com a contenção de voltas máxima que soubermos, mas também com a felicidade máxima que pudermos.