Para uma pessoa sentir que precisa de ir à igreja ajuda estar aflita. Ir à igreja como hábito é uma coisa diferente de ir à igreja por necessidade—a primeira não me interessa. Precisar de ir à igreja é o que quero elogiar. Perdoo todos os que possuem a virtude de lá ir além da necessidade mas a minha preocupação neste texto é o elogio da aflição
Pessoas não aflitas dentro de uma igreja só tiram lugar a quem realmente precisa de lá estar. Ir à igreja sem estar aflito não é tão diferente assim de ir para as urgências para passar tempo. Diria que é imoral até. Por mim as igrejas davam prioridade absoluta aos aflitos e todos os outros que arranjassem alternativas sociais.
Para a pessoa sentir que precisa de ir à igreja convém passar por um aperto: podem ser casamentos ou namoros que chegaram ao fim (ou “relações”, como se diz agora), mortes ou doenças inesperadas na família, entre outros acontecimentos em que a pessoa sente que lhe foi tirado o eixo da normalidade. Na chegada da aflição, ir à igreja carente, com todo o estigma social associado, parece menos inaceitável.
A aflição torna a igreja como o lugar apropriado. A pessoa que aflita vai à igreja encontra lá dentro outras pessoas aflitas também. O problema chega quando, por alguma razão, a vida começa a desafligir-se. À medida que a existência se reordena e aflição diminui, o capital social arriscado de precisar de ir à igreja aumenta. Pode acontecer até pior: continuar a ir porque se ganhou o hábito.
Talvez a maioria das pessoas que num período de aflição precisou de ir à igreja acabe por abandoná-la assim que alguma normalidade regressa. Haverá coisa mais lamentável do que a pessoa que se satisfaz no regresso da normalidade? É triste quando os que aflitos chegaram à igreja enxugam eficazmente as suas lágrimas. Para mim, não há nada mais triste.
O problema pode até ser meu e de não me conhecer fora de precisar de ir à igreja. Não rejeito essa hipótese. Se assim for, precisarei de ingressar numa normalidade que nunca experimentei. Reconheço que sempre houve consideráveis doses de aflição na minha vida. Talvez ainda esteja para ter uma existência à qual realmente se possa chamar vida. Get a life, como se diz nos filmes. Isso mesmo: uma vida normal como nos filmes.