Mesmo em frente à Assembleia da República, vislumbra-se o cartaz do PCP a defender a fixação dos preços dos bens essenciais e, com o aumento dos preços, aumentam também os decibéis dos defensores dos preços tabelados.
Já há anos que ouvimos o PCP a exigir a fixação dos preços, ora dos combustíveis, ora dos bens essenciais. O Bloco de Esquerda também tem defendido esta medida de uma forma muito vocal.
Visto que o preço de um cabaz de alimentos essenciais aumentou 23,40%, fixar os mesmos parece ser uma proposta viável e sem dúvida aliciante. Esta bala de prata, porém, quando analisada ao pormenor, apresenta várias falhas. A solução que parece favorecer o poder de compra do consumidor comum, por mais paradoxal que pareça, prejudica-o.
A definição do próprio teto máximo em si pode ser um grande desafio. O limite teria que ser suficientemente baixo para que os bens continuem a ser acessíveis ao consumidor mas alto o suficiente para manter as margens de lucro dos produtores e fornecedores. Isso pode ser difícil de equilibrar, especialmente num contexto de mercado livre.
Além disso, a medida pode gerar um ambiente de negócios menos competitivo, já que os produtores e fornecedores teriam menos incentivo para inovar. A tentativa de manter a rentabilidade sem possibilidade de aumentar a margem pode levar as empresas a reduzir ou até abdicar de todo dos investimentos na pesquisa e inovação. Isso poderia levar à redução da eficiência produtiva, diminuição da qualidade dos produtos e redução da oferta no mercado. Muitas empresas até podem desistir da produção dos bens pela insustentabilidade financeira do negócio, gerando escassez.
A eficiência da medida é outra preocupação. Embora possa ajudar a aliviar o impacto da inflação a curto prazo, não aborda as causas subjacentes do aumento de preços.
Como aponta o economista Joseph Stiglitz no livro The Price of Inequality, medidas como essa podem gerar distorções no mercado e prejudicar a economia a longo prazo: “Embora seja tentador limitar os preços para proteger os consumidores, essa abordagem pode ter efeitos colaterais indesejados, incluindo a redução da oferta e a diminuição da qualidade dos produtos“.
Milton Friedman, no seu livro Capitalism and Freedom, também refere que “O controlo de preços é uma das maneiras mais antigas e persistentes de interferir com a economia. Tem sido uma das políticas mais disfuncionais, distorcendo a alocação de recursos e reduzindo a eficiência da economia“.
Além de opiniões dos grandes economistas, temos vários exemplos de implementações do controlo de preços. A Venezuela, a Argentina e a Malásia já tentaram implementar a mesma medida.
Desde 2003 que o governo venezuelano tem fixado os preços de bens essenciais, como alimentos, medicamentos e produtos de higiene pessoal. Como resultado, estes artigos tornaram-se mais escassos nas lojas e formam-se longas filas, com centenas de pessoas esperançosas de conseguir comprar alguma coisa.
A Argentina recorreu ao controlo de preços várias vezes. Mais recentemente, o resultado foi o aparecimento de mercados ilegais, principalmente em províncias que fazem fronteira com outros países.
Na Malásia, houve relatos de escassez de alguns produtos, como carne de frango, legumes e ovos. Os produtores muitas vezes reduziam a produção ou desviavam os produtos para o mercado negro, onde poderiam cobrar preços mais altos do que os preços máximos estabelecidos pelo governo.
Até nos Estados Unidos, durante a presidência de Richard Nixon, houve controlo administrativo de preços e salários. O famoso choque de Nixon resultou no abrandamento temporário da inflação inicialmente mas mais tarde verificou-se falta de bens nas lojas, especialmente alimentação.
Em Portugal, entre 1977 e 1979, a inflação situou-se acima dos 20% e também houve uma tentativa de garantir que os preços dos bens essenciais eram acessíveis a toda a população. Foi uma das 15 medidas implementadas por Aníbal Cavaco Silva enquanto Ministro das Finanças. Só em 1986 Portugal adotou o Plano de Estabilização Económica e Social, permitindo a liberalização dos preços dos bens alimentares. Embora a curto prazo se tenha verificado novamente uma subida da inflação, a longo prazo esta medida permitiu melhorar a eficiência do mercado e aumentar a concorrência, tendo como consequência preços mais baixos e uma maior oferta de produtos aos consumidores.
É importante considerar todas as consequências antes de implementar um teto máximo nos preços dos bens essenciais. Embora a proposta possa parecer uma solução simples, é preciso avaliar cuidadosamente as possíveis distorções no mercado, o impacto na competitividade das empresas e o efeito a longo prazo na economia como um todo. A história tem demonstrado que esta solução é um verdadeiro lobo em pele de cordeiro. Urge avaliar que outras políticas económicas poderiam ser mais eficientes para aliviar impacto da inflação na população mais vulnerável como a adoção de políticas monetárias e fiscais responsáveis e a promoção do investimento na produção.