Quarta-feira, dia 26 de Outubro de 2021, 18 horas e 22 minutos, pela primeira em 47 anos a proposta de Orçamento de Estado de um governo democraticamente eleito é chumbada por uma maioria parlamentar que uniu a esquerda e a direita. Parafraseando um ex-primeiro ministro, este minuto na história lançou Portugal para um pântano político. No entanto, importa-me perceber, não quem ganha ou quem perde, mas, qual o caminho correto para rapidamente se chegar à margem. A razão desta visão desinteressada sobre vitórias e derrotas é muito simples: há um enorme derrotado – o povo português – e deveria ser por ele que todos os titulares de cargos públicos teriam de pautar os seus atos.

Já tive oportunidade de escrever aqui que existe o Portugal dos políticos e o Portugal dos portugueses. Já afirmei, também, que acima de tudo deve estar o interesse de quem diariamente vive, trabalha e tem a sua família em Portugal contribuindo para a portugalidade sejam lusitanos ou não.

O Partido Socialista e a Esquerda

Olhando para o partido do governo não consigo deixar de pensar que embora com uma imagem de choque e de profunda consternação, o sentimento de exaustão de um governo massacrado e a noção clara de uma crise económica que, cada vez mais, parece evidente a todos, levou a um desejo escondido de provocar eleições antecipadas. Adicionalmente, Costa sabe que a direita está fragilizada, passando por convulsões internas (três dos quatro partidos à direita do PS têm congressos para eleições de líder agendados para este final de ano) e à sua esquerda há a convicção que, tanto o Bloco como o PCP saem muito mal nesta fotografia. Já o disse e repito, o PS não sabe governar sem dinheiro e muito menos sem maioria e, neste momento, iria ter esses dois pesadelos para gerir. Este é um cenário que, em teoria, até pode servir a Costa e pode não ter sido inocente.

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Na visão do Bloco e do PCP, existe a crença (curiosa expressão para quem não é dogmaticamente crente) que as autárquicas foram o último cartão encarnado e que era fundamental descolar do abraço de urso dado pelo PS voltando ao combate de causas que foi sempre a força base destes dois partidos. Mais uma vez, e tal como o seu ex-parceiro de geringonça, não conseguiram evitar regressar ao alarmismo populista de que estas eleições teriam o risco do regresso do fascismo e dos fantasmas dos governos PSD / CDS que, segundo eles, trouxeram a troika e a devastação a Portugal. Muito pouco para dois partidos com enormes responsabilidades nestes seis anos de governação, onde, com uma maioria de esquerda no parlamento, não conseguiram concretizar nenhuma das suas grandes bandeiras, tendo perdido eleitorado, lugares e protagonismo político. Se querem ter nestas eleições uma inversão e, no caso do Bloco, uma salvação, é fundamental que se foquem no futuro, no que precisa de ser feito, na resposta aos problemas que os portugueses sentem e deixem o passado para os livros de história. Uma última nota sobre o PCP, que, sendo muitíssimo discreto como sempre, acredito que poderá ter outro candidato a primeiro ministro que não Jerónimo de Sousa. Só não o fará se acreditar que a derrota é inevitável e que faz sentido poupar João Ferreira para o combate seguinte.

Umas últimas linhas sobre o PAN e as duas deputadas não inscritas. Sobre estas curioso ver a aproximação da ex deputada do PAN ao PS, quem sabe numa manobra para tentar ter um lugar elegível nas futuras e a despedida do Joacine do seu lugar no parlamento e, quem sabe, do próprio Livre. Já o PAN, radicalizou o seu discurso, mostrou-se claramente ao eleitorado e isso pode custar-lhe votos e deputados já em Janeiro.

 

Rio, Marcelo e a Direita

Começo com o grande vencedor da direita: a Iniciativa Liberal. Modestos nos resultados autárquicas, mas com uma boa imagem junto da opinião pública, foram o primeiro partido, através do seu líder, a avisar no início do ano para este cenário como uma forte possibilidade. Foram coerentes, consequentes e mostraram que estão sólidos e unidos nas suas causas e nos seus valores. As sondagens dão-lhes uma forte subida, e será com certeza um grupo parlamentar com mais “musculo” o que se irá apresentar na próxima legislatura. Vamos ver se tem a capacidade de apresentar uma lista de candidatos a deputados em linha com o seu líder. A última amostra autárquica defraudou um pouco, em especial, na capital e nas grandes cidades. Importa ainda ressalvar que para que o seu sucesso seja também o sucesso de todos, seria importante o seu programa não ser tão liberal. Bem sei que este pedido é um contrassenso com o nome e ideologia do partido, mas se tivermos em conta o estado social do país, as reais necessidades dos portugueses e a crise económica que se advinha, uma real política liberal não servirá os interesses dos portugueses.

O grande partido à direita, está exatamente como foi apresentado agora: partido. A sofrer da doença de ter um líder mal-amado pelos famosos barões e acusado de não ter o que é necessário para ganhar umas eleições, o PSD tinha a convicção interna que as autárquicas levariam à queda de Rio, oferecendo dois anos estáveis para que o novo líder pudesse reunir apoios (e votos) para as próximas legislativas. Moedas e os portugueses trocaram-lhes as voltas. Numa fração de segundos, Rangel e os seus apoiantes ficaram encurralados num beco apertado onde ou avançavam contra um presidente que tinha acabado de vencer Lisboa, Coimbra, Portalegre e recuperado o Funchal e um líder que tinha acabado de colocar o PS e a esquerda numa crise que descambou num chumbo do orçamento e na mais que provável queda do governo, ou teriam de esperar pela próxima oportunidade, que, para alguns, já seria tarde demais. Adiciono a esta equação o CDS porque, curiosamente, ou não, a história é muito semelhante e as motivações de Melo & Ca. não são muito diferentes. Poder pelo poder e não pelos portugueses ou por Portugal. O PPD/PSD terá a ganhar se se focar no país real, no país dos portugueses e nas soluções para os problemas que este momento delicado veio criar.

No CDS temos um presidente sem grupo parlamentar, sem os pesos fortes do passado e sem favores da comunicação social e dos “influencers” políticos. Criou-se condições para um novo “Ribeiro e Castro”, alguém para levar o partido num ciclo de oposição (e é muito mais difícil liderar em oposição que em poder), recebendo um partido falido, com um resultado eleitoral dos piores da sua história e com o desígnio definido desde a sua tomada de posse. Os tais nomes fortes não se podiam desgastar nestes dois anos para poderem regressar em pose de el Rei D. Sebastião para salvarem o partido. Acontece que o CDS não se salva dessa forma. Salvam-se as suas carreiras políticas e interesses pessoais, mas não o partido e muito menos o país. O CDS salva-se com propostas, com uma equipa renovada e progressista, com ideias para os portugueses e com um verdadeiro espírito de missão. Rodrigues dos Santos tem uma equipa sem pesos pesados (leia-se mediáticos)? Têm. Poderia ter uma equipa mais forte? Podia. Mas têm aqueles que num momento muito difícil aceitaram abraçar o partido e o levaram a três vitórias eleitorais. Se mais que salvar o partido, Francisco quiser contribuir para salvar Portugal, levará o Conselho Nacional a adiar o Congresso, focará as suas armas no combate político e na campanha eleitoral e escolherá os melhores para o, que poderá ser, o jogo das nossas vidas.

Finalmente, o Chega levanta-me duas questões para as quais adorava ter uma resposta fácil. Se vão subir e crescer enquanto grupo parlamentar? Sim. Se o vão fazer a suavizar o discurso e a “democratizar” as suas propostas? Não. Estas duas variáveis tenho-as como claras. Então, onde está o problema (como se isto em si mesmo não fosse já um problema para Portugal, para os portugueses e para a nossa democracia)? Na importância que poderão vir a ter para uma solução governativa e quem irão apresentar neste novo ciclo político. Acreditando nas últimas sondagens, não existe maioria de direita sem o Chega. Tenho muitas dúvidas nestes números. Primeiro porque acredito que o PS irá perder votos face ao prognóstico dessa sondagem. E em segundo lugar porque entendo que, numas eleições “a doer”, o eleitorado não vai fazer um voto de protesto, mas sim um voto estruturante para tentar resolver os problemas reais do país. Assim, acredito que poderemos ter uma solução à direita sem o Chega mas se tal não for possível espero que André Ventura tenha a capacidade de escolher políticas para todos os portugueses e um conjunto de nomes onde não constem radicais, racistas e outros que tais.

Primeiro Portugal

Este é um momento de crise, mas pode ser um momento de oportunidade para o país. O orçamento chumbou, mas era um mau orçamento. No entanto, o país não pode estar sem  orçamento. Não são só as grandes rubricas públicas que ficam congeladas. As transferências para as regiões autónomas e câmaras municipais ficam, também elas, suspensas, deixando algumas em situações bastante delicadas. Se o país aguenta? Sim, mas não por 4 meses como alguns querem. Se juntarmos a isto o facto de estarmos a atravessar o prelúdio de uma potencial crise económica, uma crise energética e a necessidade de aplicar fundos comunitários (o famoso PRR) então a urgência nas eleições deve ser a prioridade dos políticos. Adiar eleições para servir interesses pessoais de candidatos na procura de lugares e salvação de carreiras políticas é não servir Portugal. Uma nota muito especial para o Presidente Marcelo: este é o tempo de Portugal e não de estratégias pessoais. Ouvi uma declaração do Presidente onde afirma que não tem preferência por quem lidera os partidos. Espero com total confiança que faça jus a estas palavras.

Portugal e os portugueses precisam de estabilidade, deveriam exigir que egos, carreiras e interesses não ficassem acima da recuperação económica, de uma nova e impulsionante política fiscal, da restruturação do SNS, dos apoios sociais, de uma política de verdadeira integração e igualdade e de uma proximidade local que solucionasse e não que se servisse. É disso que Portugal precisa, é disso que os portugueses precisam, é isso que os políticos lhes deviam dar. Somos uma república e por isso não acreditamos em dinastias, predestinados, barões ou duques. Portugal precisa de sangue novo, de pessoas válidas, que abracem a causa pública pela causa pública e não porque não conseguiram ter espaço na causa privada, Portugal precisa dos melhores portugueses e não daqueles que sempre lá estiveram e vão trocando o poder entre si sem que isso dê aos portugueses um Portugal melhor, uma vida melhor e um futuro melhor. Portugal precisa dos melhores portugueses e este é momento dos políticos emergirem do mundo real e trabalharem para todos e por todos, porque a política é em si mesmo nobre e essa nobreza é o que os portugueses mais precisam neste momento. Termino como comecei. O importante é o caminho correto para sair desta crise, e esse parece-me ser claro: estabilidade nos partidos, marcação de eleições no prazo mais curto possível, foco no país e nas reais necessidades dos portugueses e a capitulação de quem procura num momento de desespero salvar os seus interesses pondo em causa o futuro de todos e dar origem à continuação de um pântano político ao qual Portugal poderá não conseguir sobreviver.