Depois de duas semanas de mar bravo, a ponta esquerda da praia de Carcavelos ficou muito escavada (a ponta esquerda de quem está virado para o mar). A areia que a água comeu é praticamente da altura de uma pessoa. Depois de tantos anos a viver junto ao oceano, continuo a ficar espantado com o que ele faz.
O começo do Outono é um dos segredos ao qual eu e a minha mulher nos temos devotado mais este ano. Pensamos em praia no Verão e faz todo o sentido, claro. Mas é no início do Outono que ela nos recebe com outro preparo, uma espécie de solenidade até. Numa manhã de Outono já se sente o fresquinho suficiente para não se pensar em entrar no mar. No entanto, se a pessoa se der a esse trabalho, quando a ele chega, ele recebe-nos até melhor do que nos recebe no Verão.
A pessoa que entra no mar no Verão vive aquele contraste único entre o calor do areal e a frescura da água (que tentamos explicar com pouco sucesso aos nossos amigos brasileiros, habituados que estão à experiência mais constante do quente fora e dentro de água). Nesse sentido, a praia portuguesa no Verão joga com uma areia quente que nos lança para o mar fresco, e um mar fresco que nos lança para a areia quente. Tem graça.
Mas a pessoa que entra no mar no Outono já não joga esse ping-pong. No Outono a temperatura do mar tende a ser mais acolhedora porque o frio fininho que já se foi instalando na temperatura exterior ainda não penetrou fundo na água. Logo, a pessoa é surpreendida por uma gentileza marítima inesperada. No Outono o mar acolhe-nos e pode haver menos vontade de sair dele.
Desde 2010 que entro no mar durante o ano todo. São no Inverno entradas com saídas imediatas, é certo, mas penso que provam que nós, portugueses, continuamos pouco atentos ao melhor que temos. Assim que o Outono chega, e tirando as escolas de surf, são os estrangeiros que mais rendimento recolhem da praia de Carcavelos: muitos universitários, sobretudo alemães, da Nova Business School; brasileiros endinheirados que ensinam os nacionais novas modalidades vindas do vólei e do ténis; americanos com pequenas festas de sunset; e por aí fora. Se o mar tem este poder de nos surpreender, não o abandonemos ao primeiro sinal de frio.