No Programa do Governo que se encontra atualmente em discussão pública e que genericamente parece ser pouco surpreendente, pois vislumbra-se nele uma espécie de evolução na continuidade, particularmente visível no setor da Educação com a subida do secretário de Estado Adjunto e da Educação, João Costa, a ministro, introduz-se não no capítulo do ensino e educação, mas numa outra secção, algo inovador que ainda não vi até ao momento ser tratado no espaço mediático, embora seja matéria de algum relevo constitucional.
Refiro-me à secção sob o título “Promover a literacia democrática e a cidadania”, na qual se explica a – em princípio – meritória ideia do Governo da República de lançar um Plano Nacional de Literacia Democrática à semelhança, aliás, dos já existentes Plano Nacional de Leitura e Plano Nacional das Artes.
Tal plano visa expressamente “incluir o estudo da Constituição em todos os níveis de ensino, com crescente nível de profundidade” e também se propõe instituir o Dia Nacional da Cidadania, “nomeadamente nas escolas, com vista à divulgação dos ideais democráticos”.
Almeja-se ainda difundir “de forma lúdica” o conhecimento dos direitos, liberdades e garantias, bem como a adesão aos valores e princípios democráticos “por parte dos mais novos”.
Salvo melhor opinião, não me parece que exista nesta medida programática do XXIII Governo Constitucional algo semelhante à antiga disciplina de Organização Política e Administrativa da Nação lecionada nos liceus anteriormente à revolução de abril. Já porque então se vivia em ditadura, já porque a juventude hodierna apresenta características muito diferentes, já porque a escola de hoje recorre cada vez mais ao digital.
Nem sequer poderá haver lugar a qualquer sectarismo de endoutrinação político-partidária a qual, aliás, se traduziria, nomeadamente, na violação grosseira do art.º 43º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e seria precisamente a negação do conteúdo dos direitos, liberdades e garantias que se pretende levar à “gente nova” (como dizia António Sérgio, in “Educação Cívica”, no ano de 1915).
Outro sim, estou em crer que a estratégia governamental ora gizada (note-se que na página 131 do Programa, em vez do termo “Plano Nacional” adota-se a designação de “Estratégia Nacional”) surge na sequência de propostas que ao longo dos anos têm vindo a público, por parte de alguns constitucionalistas como é o caso do professor Vital Moreira, antigo eurodeputado independente pelo PS. Aliás, modéstia à parte, eu próprio cheguei a fazer idêntica proposta em alguns fóruns socialistas.
Recordo-me que em tempos um grupo de trabalho, no âmbito do Ministério da Educação, coordenado pela politóloga Marina Costa Lobo, chegou a elaborar o programa daquilo que seria uma unidade curricular de Introdução à Ciência Política para alunos do ensino secundário, porém não é essa a opção que resulta deste Programa de Governo “sub judice”.
Na sequência da Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986 existiu uma área denominada Educação Pessoal e Social, autores há que propuseram o termo Educação para a Democracia e atualmente existe a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. Mas, tanto quanto se alcança do citado Programa do Governo, estaremos em presença de uma Educação para a Cidadania, se bem que haja quem considere que “o conceito de educação cívica concerna uma esfera de contornos mais suscetíveis de descrição objetiva do que o conceito de educação para a cidadania” (vidé Maria Praia, outubro de 1991).
De acordo com o plasmado em sede de Programa do Governo e os respetivos objetivos suprarreferidos talvez se possa inferir a necessidade da criação de um espaço disciplinar próprio de natureza disciplinar. Se vier a ser essa a opção do legislador ordinário, serão prioritariamente os docentes licenciados ou mestres em Direito os seus responsáveis?
A estas e outras questões de âmbito educativo, talvez o sr. ministro e o seu secretário de Estado da Educação possam responder em sede parlamentar.